Jornal Estado de Minas

Mesmo exigindo algumas condições, escolha pelo parto domiciliar é cada vez mais frequente

Casais optam por parto domiciliar, mas a prática exige várias condições, como gravidez de baixo risco. A mulher não pode ter pressão alta ou diabetes nem já ter feito cesariana

Junia Oliveira
"Hoje, no Brasil, para fazer um parto com respeito às suas vontades e ao seu tempo, tem que correr atrás", diz Milena - Foto: Euler Júnior/EM/D. A. Press
A fotógrafa Milena Gomes, de 32 anos, tinha pânico só de pensar no nascimento de um filho. A vida inteira ouviu que, por ser pequena, fraca e ter saúde frágil, não poderia parir. A tudo isso, acrescentava-se o horror natural a anestesia e hospitais. O medo de uma cirurgia contrastava com a vontade de ser mãe e, por isso, quando começou a planejar a gravidez, pensou logo em se preparar para encarar uma cesária. Duas semanas depois de interromper o anticoncepcional, ela engravidou. E o tempo para reflexão, de repente, se tornou curto demais.


Na internet, encontrou vários grupos de apoio a gestantes. “Hoje, no Brasil, para fazer um parto com respeito às suas vontades e ao seu tempo, tem que correr atrás.

Precisei trocar de médico, porque, quando falei que queria ir para o Sofia Feldman, ele me perguntou se eu não tinha medo de meu filho nascer retardado”, conta. “Comecei a desejar o parto e o que tinha menos medo era da dor, apesar de continuar com pânico de hospital.”

O temor de o filho nascer quando ela estivesse sozinha em casa fez com que, em uma das consultas com o ginecologista, que atende pelo plano de saúde e no Sofia, fosse informada sobre o parto domiciliar, na época, em implantação. Convencer a família foi trabalho árduo para ela e o marido, o chef de cozinha Ricardo Ribeiro. No primeiro dia de trabalho de parto, uma sexta-feira, a sogra e os pais de Milena estavam presentes. A mãe, acupunturista, ajudou com técnicas para aliviar a dor. A fotógrafa também contou com o apoio de uma doula contratada para auxiliar naquele momento.

Raul veio ao mundo em um sábado, na piscina inflável instalada num quarto da casa do Barro Preto, na Região Centro-Sul de BH. Hoje, com sete meses de vida, ele é o orgulho dos pais, que recomendam a decisão para outras mulheres: “O sistema não está preparado para isso. É conveniente levar para um hospital. Quando decidimos fazer, vimos que era seguro. Tinha equipe de reanimação e o plano B, que é a Maternidade Odete Valadares, ao lado da minha casa. Não me arrependo em nada de nossa escolha”.

CONDIÇÕES Mas não basta querer. Ter um filho em casa requer uma condição primordial: uma gestação de baixo risco, ou seja, não ter pressão alta ou diabetes, ter o líquido amniótico normal, gravidez única, posição normal do bebê e feto em crescimento regular.
A mulher também não pode ter sido submetida a uma cesariana anteriormente, por causa de uma pequena chance, que gira em menos de 2%, de ruptura do útero. Nem ter positivo o teste que constata a existência da bactéria estreptococos, que pode causar infecções graves em mulheres grávidas e em recém-nascidos.

Assistência personalizada e a garantia de que quem começou o acompanhamento do pré-natal vai terminá-lo são algumas vantagens. Além, claro, de a mulher estar no seu cantinho. “Em casa, não há pressão do tempo. E como ela se sente mais à vontade, o parto evolui melhor. A insegurança, o medo e o fato de não estar perto de quem confia aumentam a dor”, afirma Raquel.

A enfermeira pondera que intercorrências podem se dar em casa ou no hospital. “Se o parto é domiciliar e algo ocorre, vão dizer que é porque é em casa. Mas e se for no hospital, com toda a estrutura, a culpa é de quem?”, questiona.
“Mas parto humanizado é quando a mulher se sente bem, seja em casa ou no hospital.”

'Experiência ‘mais linda do mundo'
"Estou realizadíssima como mulher, como mãe, e orgulhosa de mim", comentou Tathiana - Foto: Arquivo pessoalNão importa o tamanho da casa nem há necessidade, previamente, de qualquer estrutura especial. Uma condição para dar à luz no próprio lar é a necessidade de a casa estar localizada a, no máximo, 30 quilômetros do Hospital Sofia Feldman. E quem faz essa opção pode ter certeza da garantia da mesma assistência oferecida na instituição, inclusive, no atendimento ao bebê. No dia seguinte ao nascimento, as enfermeiras voltam à casa para fazer os testes do olho, do coraçãozinho e da bilirrubina (que detecta icterícia).

A partir de 35 semanas de gestação, o pré-natal também é domiciliar, intercalando uma visita à casa da gestante e uma ida dela ao hospital. Essa primeira consulta serve ainda para as profissionais de saúde conhecerem a distância entre a casa e o hospital, caso seja necessário fazer a transferência da paciente na última hora, além de criar, segundo a enfermeira Raquel Rabelo de Sá Lopes, intimidade e vínculo com a família. Ela explica que, diante de qualquer intercorrência, uma ambulância do Sofia é chamada. Se o caso for tão urgente a ponto de não haver tempo para fazer a transferência, a indicação é levar a gestante ao hospital mais próximo – situação que ainda não ocorreu neste um ano do serviço.

Das 30 mulheres atendidas em casa, seis precisaram ser transferidas, por motivos diversos. No caso de duas delas, os bebês fizeram o mecônio (primeiras fezes do neném) dentro do útero, o que requer acompanhamento mais rigoroso e presença de pediatra; uma gestante quis tomar anestesia; outra estava havia mais de 18 horas com a bolsa rompida, período a partir do qual aumentam as chances de infecção; e a última foi removida logo depois do parto, porque o bebê teve dificuldade respiratória. Também são motivos de transferência: hemorragia pós-parto, alteração no batimento cardíaco do bebê e pressão alta da mulher.

Banheira Todo esse cuidado e preocupação deram à turismóloga Tathiana Corrêa de Castro, de 34 anos, segurança para ter a filha Lara, hoje com 3 meses, em casa. Ela se interessou pelo assunto depois de ver uma reportagem sobre parto na água. Ao engravidar, também procurou alternativas na internet. Ao saber do parto na banheira feito no Sofia Feldman, ela visitou o hospital e conheceu, algum tempo depois, uma mãe que havia dado à luz em casa no estande do hospital montado na feira de gestantes. “Queria algo mais íntimo. À medida que pesquisei, me interessei cada vez mais pelo parto domiciliar. Quando descobri que tinha no Sofia, me realizei.”

Com apoio do marido, Tathiana teve também dificuldade para convencer a mãe, que deu à luz os dois filhos de cesária, pois os bebês estavam virados quando a bolsa se rompeu. O medo dela era de acontecer com os netos algo parecido. Mas o exemplo da avó, que teve quatro filhos em casa e dois no hospital, falou mais alto. Tathiana entrou em trabalho de parto em pleno domingo de jogo do time do coração, o Atlético, e, por isso, conseguiu apoio de toda a família, que estava reunida no andar de cima, na casa da avó. Teve trabalho para todo mundo: um encheu a banheira, outro esquentou água e, no fim, todos ficaram do lado de fora do quarto, no mais absoluto silêncio, quebrado apenas pelo chorinho da pequena Lara.

O próximo filho ela não tem dúvidas: será do mesmo jeito. “No início do trabalho de parto, enquanto as enfermeiras não chegavam, fiquei receosa, mais por não saber o que iria ocorrer. Depois, relaxei e curti o momento. Foi a experiência mais linda do mundo. Estou realizadíssima como mulher, como mãe,  e orgulhosa de mim.” (JO)

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