Cidade de paredes cada vez mais manchadas pela pichação, Belo Horizonte foi incluída em outra rota criminosa. Depois da prisão de infratores de São Paulo, detidos no dia 3 sujando o Viaduto Moçambique, na Avenida Antônio Carlos, no Bairro Cachoeirinha, a Polícia Civil afirma que a capital mineira se tornou destino de pichadores de outros estados. São principalmente paulistas, mas também “turistas” de estados do Sul. A invasão ganhou força com a disseminação da prática nas redes sociais, nas quais criminosos se conhecem, marcam encontros para pichar e divulgam vídeos e fotos das imagens.
A pichação é um crime considerado difícil de ser combatido pela polícia e atrai centenas de infratores em Belo Horizonte. Em 2014, 237 pessoas foram detidas (20 por mês, em média), o que corresponde a 44% de todos os 539 presos por este crime em todo o estado no ano passado. Apesar do grande número de conduzidos e da subnotificação dos casos, a maior parte da sujeira, segundo a polícia, está concentrada em cerca de 15 infratores. A hora da ação dos ataques também dificulta o combate. Geralmente, ocorrem à noite e de madrugada, quando a vigilância na cidade é menor.
Velhos conhecidos da Polícia Civil, eles são considerados pichadores contumazes. “Esses 15 são presos recorrentes envolvidos com pichação. Geralmente, dominam técnicas de rapel para subir em prédios e viadutos, onde se arriscam em busca das pichações mais ousadas”, afirma o chefe da 2ª Delegacia Especializada de Crimes Contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários, delegado Aloísio Daniel Fagundes. Segundo ele, alguns admitem ser autores de mais de mil pichações em BH.
A dificuldade de combate à pichação cria um círculo vicioso de sujeira em prédios públicos, monumentos e imóveis particulares da cidade. Prevista no artigo 65 da Lei nº 9.605, de 1998, a pichação é um crime contra o meio ambiente considerado de menor potencial ofensivo. O delito pode gerar pena de três meses a um ano de detenção e multa. Entretanto, na prática, ninguém fica preso pelo crime.
“A lei precisa ser mais rígida para permitir ao Judiciário punir brandamente os réus primários e agir com mais rigor com os autores recorrentes”, critica o delegado. Atualmente, pessoas condenadas por pichação podem ter substituição da pena por pagamento de abono pecuniário (multa), prestação de serviços à comunidade e o direito de responder em liberdade.
No caso dos mineiros e paulistas presos no dia 3, não foi diferente. Mesmo tendo confessado já ter perdido as contas de quantas vezes foi preso envolvido com pichação, o paulista Felipe Henrique de Brito Nunes, de 23 anos, foi ouvido por um delegado no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH) e liberado. Assim como o colega de cidade, Bruno de Jesus Rodrigues, de 23, ele e os três comparsas assinaram um termo circunstancial de ocorrência e deixaram a unidade policial.
Além do viaduto, eles confessaram ter pichado o Edifício Itatiaia, na Praça Rui Barbosa, no Centro. Depois de passar anos à espera da obra, o prédio, que ainda está em fase de pintura, já está pichado. Em um dos escritos, alguém deixou o recado: “São Paulo chego (sic)”.
Ao Estado de Minas, o paulista Felipe contou ter conhecido os amigos no Barreiro, em BH, pela internet. “Viemos fazer turismo e pichar. É o nosso ofício”, disse. Segundo o delegado, tornou-se cada vez mais comum a presença de pessoas de outros estados nas ocorrências de pichação. Com a Copa do Mundo, quando os protestos ganharam dimensão nacional, a pichação ficou mais comum, já que a maior parte dos pichadores usa os escritos contra o sistema e o governo”, conta o policial. Ele explica, no entanto, que há quem piche sem propósito e diz que bens e monumentos públicos, especialmente na Região Centro-Sul de BH e nos grandes corredores, são os alvos prediletos. “Imóveis particulares, em qualquer região da cidade, também não escapam”, diz o delegado.
A cada dia, novas prisões de pichadores ocorrem na cidade, segundo o delegado. Mas saber exatamente quantas pessoas usam as tintas em sprays para sujar da cidade é tarefa difícil, bem como de onde eles são. “Os grupos que existiam até por volta de 2011 perderam força. Entre os casos que chegam à delegacia, há autores que picharam pela primeira vez e aqueles que picham há anos e confessam centenas desses crimes”, informa.
Pichação tem alto custo aos cofres públicos
A pichação gera uma conta cara para a Prefeitura de Belo Horizonte. A estimativa é de que R$ 2,5 milhões sejam gastos anualmente com reparação de patrimônio depredado, o que inclui a remoção da sujeira de equipamentos públicos municipais (escolas, centros de saúde, viadutos, entre outros) e de monumentos, revitalização de jardins e plantio de mudas, reposição dos sistemas de irrigação, entre outros consertos. Com o dinheiro gasto, a prefeitura poderia construir um centro de saúde, 30 moradias do programa Vila Viva ou reformar e ampliar escolas.
No ano passado, o prefeito Marcio Lacerda prometeu rigor com pichadores, por meio de uma ação conjunta com o Ministério Público. Ele está em viagem ao exterior e não foi localizado para comentar o assunto.
Uma das formas de resistência à pichação é o movimento Respeito por BH, que segue quatro pilares: repressão, prevenção e conscientização, conservação e monitoramento das áreas alvo dos pichadores.
Outra ação, o Projeto Guernica, desenvolve oficinas de grafitagem com usuários do Abrigo Pompeia, que acolhe pessoas em situação de rua. E o Projeto Miguilim, voltado ao atendimento de adolescentes de rua, está sendo reestruturado.
CONDENAÇÃO Em dezembro, o Tribunal de Justiça manteve a condenação de três acusados de integrar a gangue que desde 2008 pichou monumentos e edifícios públicos e particulares em BH.
I.A., de 29 anos, deve cumprir dois anos de reclusão em regime aberto e 20 dias-multa, pena substituída por duas penas restritivas de direitos. J.M.F.C., 31, foi condenado a dois anos e oito meses em semiaberto e pagamento de 28 dias-multa. G.O.F.B., de 30, a dois anos e seis meses de reclusão em regime semiaberto e 25 dias-multa.
Já M.A.F.S., de 26, e os irmãos D.C.O.B. e T.C.O.B., de 25, também deveriam cumprir pena, mas, como decorreram mais de dois anos entre a publicação da sentença e o julgamento do recurso, a punição prescreveu. (VL)