O Brasil vivia os tempos imperiais, quando o menino Alfredo, de 7 anos, seguiu para a Europa na companhia da mãe, Maria Amália, e do irmão, Frederico. Na França, Suíça, Alemanha e outros países, os meninos de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, mergulharam fundo na cultura, aprenderam línguas, abasteceram-se de conhecimento e fortaleceram o amor pela arte, sem jamais esquecer a terra natal. Anos depois, de volta ao Brasil, Alfredo foi estudar direito na tradicional faculdade do Largo de São Francisco, na capital paulista, e, formado, se estabeleceu na sua cidade, criando há 100 anos o Museu Mariano Procópio, o primeiro do estado. No nome, a homenagem ao pai. Hoje, setores culturais lembram também os 150 anos de nascimento do mecenas mineiro, que foi colecionador, empresário, comerciante, jornalista e amante incondicional da fotografia. Para comemorar, há eventos em andamento e outros previstos para o ano inteiro, incluindo concertos.
Antes de conhecer mais sobre Alfredo Ferreira Lage (1865-1944), é preciso destacar a importância do pai, o comendador Mariano Procópio Ferreira Lage (1821-1872), natural de Barbacena, na Região Central, que atuou no comércio de importação e exportação, elegeu-se deputado pelo Partido Conservador, fundou a Companhia União Indústria, implantou uma colônia de imigrantes germânicos e escola agrícola e construiu a primeira estrada de rodagem do país, a União Indústria. Ligando Juiz de Fora a Petrópolis (RJ), a rodovia foi inaugurada pelo imperador Dom Pedro II (1825-1891) em 1861. Ao ficar viúva, Maria Amália decidiu cruzar o Atlântico e dar aos filhos, órfãos de pai, uma educação formal com o refinamento europeu.
O diretor do Museu Mariano Procópio, Douglas Fasolato, conta que, ao retornar à sua cidade, Alfredo fomentou as artes cênicas e fundou o Teatro Juiz de Fora; adquiriu e dirigiu o jornal O Farol; trabalhou na implantação do hipódromo; tornou-se sócio de uma companhia de eletricidade e de um colégio; e entrou para a política como vereador. O espírito inquieto e empreendedor reservava outras surpresas, tanto que, no fim do século 19, o mineiro mostrou verdadeira paixão pela imagem e se revelou fotógrafo amador. “Era um homem pioneiro em vários campos. Em 1903, fundou e presidiu o Foto Clube do Rio de Janeiro, o primeiro do Brasil, com o objetivo de valorizar o ofício, mediante exposições e concursos”, explica Fasolato, citando três mostras importantes promovidas por Alfredo em 1904, 1905 e 1907.
ACERVO EXPRESSIVO Alfredo deixou um legado que orgulha os moradores de Juiz de Fora e enaltece a memória nacional. Uma das facetas mais importantes da sua trajetória está no colecionismo, iniciado na Suíça, quando tinha apenas 8 anos. “Começou com minerais e seguiu em direção aos acervos que reuniam arte e história”, afirma Fasolato. Grande parte das peças guardadas desde a infância se tornaram públicas, em 1915, quando resolveu abrir a chácara da família à visitação – o imóvel com área de 78 mil metros quadrados e jardins atribuídos ao paisagista francês Auguste Glaziou foi doado à prefeitura em 1936.
Outra iniciativa digna de destaque na biografia do mineiro ilustre se refere ao acervo do Leilão do Paço, quando o governo republicano colocou à venda obras que pertenceram à família imperial. Com o senso de quem preserva a história, ele arrematou mobiliário e obras de arte. “Alfredo Ferreira Lage foi o grande mecenas de Minas. Nasceu com vocação para a cultura”, assegura o diretor do museu. Preocupado com o destino do patrimônio, ele criou o Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio para zelar pelo acervo e esteve à frente do museu até a sua morte, em 1944. Alfredo viveu com a pintora Maria Pardos e não teve filhos.
Em obras de restauro e requalificação, o museu municipal, mantido pela Fundação Mariano Procópio, tem um acervo com cerca de 53 mil peças. Fasolato explica que o projeto de recuperação se desenvolve por etapas e avançou com recursos de R$ 5milhões do governo estadual. A expectativa é de que a villa ou casa seja o primeiro equipamento a ficar pronto. Além das obras, a instituição desenvolve um projeto global de requalificação arquitetônica e museológica viabilizado pelo Ministério da Cultura, via Instituto Basileiro de Museus (Ibram).
EXPOSIÇÃO O diretor faz questão de destacar a exposição Coleções em diálogo: Museu Mariano Procópio e Pinacoteca de São Paulo, em cartaz na Pinacoteca de São Paulo, com 50 obras (pinturas, desenhos e esculturas). “Há filas para visitá-la e estamos em entendimentos para que a mostra seja levada a Belo Horizonte”, afirma. “Temos um museu eclético e enciclopédico, composto de mobiliário, indumentárias, esculturas, pinturas, fotografia, numismática, armas e outros objetos”, relata Fasolato.
PROGRAME-SE
Até 24 de janeiro: exposição Simetria e permanência: a arte na fotografia de Alfredo Ferreira Lage, no saguão da reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no câmpus universitário.
24 de janeiro: às 11h, também no câmpus da UFJF, o curador da exposição Pedro Vasquez fará palestra com o tema “Panorama do Fotoclubismo no Brasil”. Haverá visita guiada
Visitação: os jardins de entorno do Museu Mariano Procópio (Rua Mariano Procópio, nº 1.100) estão abertos de terça a domingo, das 8h às 18h. Entrada franca
LINHA DO TEMPO
1865 –Em 10 de janeiro, Alfredo Ferreira Lage nasce em Juiz de Fora, na Zona da Mata
1872 –Com a morte do pai Mariano Procópio, o menino segue para a Europa na companhia da mãe, Maria Amalia, e do irmão, Frederico
1886 – De volta ao Brasil, Alfredo vai estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, capital, e se forma em 1890
1903 –Alfredo funda o Foto Clube do Rio de Janeiro, pioneiro no Brasil, para difundir a fotografia em exposições e concursos
1915 – Nasce o Museu Mariano Procópio, ainda em caráter particular, quando Alfredo abre a chácara da família, em Juiz de Fora, para visitas ao acervo que colecionara desde criança
1921 – O museu é instituído oficialmente. No ano seguinte, é inaugurada a galeria de Belas Artes
1936 –Em 29 de fevereiro, é lavrada a escritura em que o imóvel e acervo do museu são doados ao município
1944 – Enquanto ocupa o cargo de diretor do museu, Alfredo morre no Rio de Janeiro