Os esforços para erradicar as moradias de zonas de risco geológico em Belo Horizonte pouparam as comunidades de mortes por enchentes e desabamentos por pelo menos cinco anos. Mas o abandono em que se encontram alguns desses locais, principalmente porque obras de melhoria estão suspensas, trouxe de volta as invasões e o despejo de entulhos em áreas de preservação suscetíveis a desastres. No Aglomerado da Serra, o maior conjunto de favelas da cidade, com oito vilas que abrigam 39.920 pessoas, espaços desocupados para o programa Vila Viva, da prefeitura, estão sendo invadidos por barracos improvisados e viraram bota-fora instáveis que soterram até nascentes e córregos. A Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) afirma que não pode demolir as construções enquanto não forem resolvidas todas as disputas judiciais pendentes.
Para chegar à região invadida do Aglomerado da Serra, é preciso atravessar bloqueios do tráfico, o que só é possível com a companhia de líderes comunitários. Na última quinta-feira, a Rua da Passagem, por exemplo, estava fechada por carrinhos de transporte de material reciclável transformados em barricadas móveis. Quem libera ou interrompe a via são jovens olheiros com radiocomunicadores. A rua termina num beco. À direita, ficam escombros de barracos na área de desapropriação que serviria para fazer uma ligação da Avenida do Cardoso com as ruas Chaparraus e Caraça. O projeto foi abandonado e pelo menos 10 imóveis em áreas de risco foram depredados ou reocupados. Os novos moradores usam tábuas e tecidos velhos para tapar os buracos de janelas removidas e lonas para cobrir o teto sem telhado. No chão, é visível a água que mina do barro úmido e empoça até escorrer, indicativo de terreno instável.
Do outro lado do beco, a área onde seria implantado o Parque do Pocinho para preservar três nascentes de córregos está sendo invadida por criadores de cabras e se tornou ponto de descarte de entulho que se empilha formando montanhas bem no curso do vale onde se formam enxurradas. Uma ameaça a moradias mais baixas. “Esse abandono ocorreu porque a Urbel não deu sequência à construção da via de ligação da Avenida do Cardoso com as ruas Chaparraus e Caraça. Onde não tem dono, o povo invade mesmo, porque não tem para onde ir”, afirma o líder comunitário Antônio João Barros.
Mais no alto da comunidade, a área conhecida como Primeira Água também representa perigo por ser um barramento de mananciais com vários barracos invadindo área de extremo risco geológico. “As obras começaram e pararam. Deixaram escadas que ligam nada a lugar nenhum e as invasões estão voltando. Um desperdício de dinheiro”, reclama o porteiro José Lima, morador do aglomerado há 30 anos.
JUSTIÇA A diretora de obras da Urbel, Patrícia Batista, diz que, nos dois casos, a companhia não pode demolir as moradias invadidas porque existem disputas judiciais, contestando a desapropriação ou o interesse de espólio familiar. “No caso da Rua da Passagem, o plano de ligação da Avenida do Cardoso não era um projeto, mas um traçado sugerido e que foi adaptado com uma solução melhor numa rua paralela”, afirma.
Patrícia afirma também que o problema do entulho é o mesmo de toda a cidade, porque quem faz obra deixa de contratar caçambas e opta pelo descarte ilegal. Segundo ela, o Parque do Pocinho chegou a receber mais de 3 mil mudas de árvores, que foram queimadas por moradores ou devoradas por cabras. No caso da região do Primeira Água, a Urbel alega ter decisão judicial favorável à reintegração de posse, mas aguarda a Polícia Militar fazer a desocupação do terreno invadido.