Guidoval – A lembrança da fartura de água, que sempre fez parte do dia a dia dos moradores de Guidoval, na Zona da Mata, cedeu espaço para o drama da seca, três anos depois da tragédia que atingiu o município. Em plena estação chuvosa, a cidade que ganhou o noticiário nacional após ser devastada pela cheia de água e lama do Rio Xopotó, em 2 de janeiro de 2012, hoje vive outra situação extrema: a dificuldade com a falta de chuva. Há três anos, o curso d’água que corta a cidade de pouco mais de 7 mil habitantes atingiu 15 metros acima do nível normal. Duas pessoas morreram, 23 ficaram feridas e 102 desabrigadas pela enchente, que ainda destruiu 122 imóveis.
Desde o início da temporada das águas, em setembro, até agora, foram apenas 400 milímetros de chuva, bem abaixo dos cerca de 700mm esperados e para atingir a média histórica de até 1.400mm. E não há sinal de alento. Ontem, o termômetro chegou a 37 graus e o calor foi sufocante. O coordenador municipal de Defesa Civil, Silvio Vardiere Bouzada, já anuncia: “Se não chover entre 200mm e 300mm até o fim deste mês, será preciso começar fevereiro com racionamento de água”.
Em janeiro de 2012, Guidoval registrou 200mm de chuva em apenas 12 horas. A situação hoje é bem diferente, informa Bouzada. Segundo ele, a cidade sofreu com a seca em pleno período chuvoso. O Córrego Guarani, um dos afluentes do Xopotó e de onde sai a água que abastece Guidoval, também dá sinais de escassez. No rio já estreito, a Copasa precisou pôr uma lona de plástico para evitar que a água vaze pelas pedras na barragem que separa o canal de captação do curso normal da água.
Na outra parte do Guarani, onde o leito seguia caudaloso por uma correnteza de 200 metros, sobraram apenas filetes d’água. “Nesta época, muita gente vinha nadar aqui. Nos fins de semana, quase mil pessoas passavam por esse trecho do Guarani”, conta Bouzada. Até mesmo no córrego que recebe o esgoto de Guidoval há problemas. O Laginha, famoso por enchentes históricas, está seco. Apenas o esgoto persiste a céu aberto.
“Já nadei e pesquei muito no Córrego Laginha. Com o tempo, foi diminuindo, mas este ano foi a primeira vez que secou”, conta o comerciante Paulo Roberto da Trindade, de 58 anos, que teme pelo rodízio de água, depois de ter sido um dos moradores mais prejudicados pela inundação de 2012. “Eu tinha uma loja de brinquedos e acessórios no Centro. Quando a água veio, só ficou o piso, nem as paredes resistiram. Perdi tudo”, lembra. Com prejuízo de R$ 20 mil, Paulo teve de procurar um imóvel com aluguel mais barato. “Nunca vi o rio tão baixo assim, com tantas pedras aparecendo”, afirma a aposentada Maria Amélia Ramos, de 80, que, da porta de casa, já viu o Xopotó subir e levar carros e móveis, como em 2012, até ficar ilhada em casa à espera de socorro.
Janeiro mais seco da década
Márcia Maria da Cruz
Este é o mês mais seco da década e o sétimo em baixa precipitação em quase 60 anos. Se forem considerados dezembro e janeiro, os meses que mais contribuem com a estação chuvosa, o acumulado representa apenas 24% da média para o período, segundo o gráfico climatológico TempoClima PUC Minas dos últimos 54 anos. Para os dois meses, a média prevista era de 566 milímetros, mas, até agora, caíram apenas 137,9mm. Em dezembro, foram 137mm e em janeiro, praticamente, não choveu.
“Não há previsão de chuva significativa para a capital e outras regiões de Minas nos próximos 10 dias”, alerta o meteorologista do TempoClima PUC Minas Heriberto dos Anjos Amaro. Serão pancadas de verão, que não devem amenizar a estiagem no estado. Nos 19 dias de janeiro, a temperatura passou de 30 graus em 16. Nos dias 4 e 13, foram registrados 33,9 graus. Ontem, 33 graus na estação Pampulha. “Somente em três dias, a temperatura ficou abaixo de 30 graus, mas bem próximas a essa marca, em torno de 28 graus”, informou o meteorologista.
O professor aposentado do curso de engenharia hidráulica e recursos hídricos da UFMG Bruno Rabelo Versiani lembra que a chuva não será suficiente para os reservatórios: “A previsão não é nada animadora, as pessoas precisam ter mais cuidado com o gasto d’água. É necessária mais de uma estação chuvosa para recompor os reservatórios”, disse.
Segundo ele, prefeituras e Copasa deveriam fazer campanha ostensiva para que a população preserve água. “É importante que cada um faça uso mais racional da água, evitando, por exemplo, lavar carro e calçadas com mangueiras”, alerta.