Minas Gerais, chamada de caixa-d’água do Brasil pela vastidão dos seus recursos hídricos, vive agora o drama da escassez de suas fontes e risco de desabastecimento provocados pela estiagem em plena temporada de chuva. Diante da gravidade da situação, autoridades estaduais vão anunciar hoje medidas emergenciais para conter o consumo. Com a seca prolongada, os reservatórios que abastecem Belo Horizonte e a região metropolitana estão cada vez mais vazios. O terceiro maior deles, Serra Azul, responsável pelo fornecimento de 8% da água da capital, está com apenas 5,93% do seu volume ou menos de um quinto do que havia em janeiro do ano passado (51,66%). Rio Manso, o segundo principal, despencou de 95% para 45%, e Várzea das Flores registrou queda de 68% para 29%.
Guardadas as devidas proporções quanto a tamanho, volume e número de pessoas abastecidas, os reservatório de Serra Azul e a represa da Cantareira, em São Paulo estão praticamente no mesmo nível – o primeiro com 5,95% e o paulista, com 5,5% de sua capacidade.
Na represa Várzea das Flores, também em Betim, a água recuou mais de 20 metros da antiga margem por causa da seca. O operador de montagem Otto Gomes de Miranda, de 44, ficou muito tempo sem pescar no local e ontem levou um susto com a situação crítica da lagoa: “Fiquei com vontade de chorar. Está tudo seco”.
Alguns pontos da Várzea das Flores, antes cobertos pela água, hoje servem de pastagem para o gado. A situação é tão crítica que a base da represa da Copasa, que antes era encoberta pela água, hoje surge da terra. “Secou tudo. É só areia onde era água”, lamentou a dona de casa Maria da Penha da Silva, de 50, que foi com a família ontem se refrescar nas água da Várzea das Flores. “Antes, a gente ia do outro lado da lagoa, mas chegamos lá hoje e só encontramos só lama”, comentou.
Mudança de hábitos A falta de água já mudou a rotina de moradores. A vendedora Ketlen Cristina da Silva Costa, de 25 anos, mora no Bairro Jardim das Alterosas/Segunda Seção, em Betim, na Grande BH, e diz que fica até quatro dias com as torneiras secas, mesmo morando praticamente ao lado da Lagoa Várzea das Flores, onde a Copasa faz captação e tratamento de água para abastecimento.
O aposentado Sílvio Gonçalves, de 59, mora em outra região do Jardim das Alterosas e já ficou sem água em casa nos últimos quatro sábados. “Disseram que parte do bairro é atendida pelo sistema Rio Manso e a outra pela Várzea das Flores. Minha caixa d’água tem 500 litros e preciso economizar”, disse.
De Capitólio, na Região Sul, onde passa férias, a professora do curso de engenharia ambiental Érika Fabri informa, por telefone, que a paisagem no entorno do lago de Furnas também assusta pelo solo rachado. “O nível da represa está baixo 14 metros”, diz a professora. “Vivemos numa época seca em todo o país. Minas ainda é um estado privilegiado em relação à quantidade de água, por isso não acredito em racionamento”, afirmou Érica. Mesmo assim, a professora não está totalmente segura. Para ela, “só mesmo se Deus ajudar, a situação terá um fim”.
CRISE A situação dos reservatórios preocupa o presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Marcus Polignano. “Todos devem entender que estamos vivendo uma ampla crise ambiental”, diz Polignano, destacando que o problema vem se agravando nos últimos cinco anos com a escassez gradual de chuva. “Podemos ver isso no Rio das Velhas, que, há cinco anos, em janeiro, apresentava vazão de 100 metros cúbicos por segundo. No ano passado, caiu para 30 metros cúbicos por segundo e agora está na faixa de 10 metros cúbicos por segundo”, diz o médico e professor de saúde pública da universidade.
Polignano ressalta os sinais de degradação do Rio das Velhas, um dos principais afluentes do São Francisco e responsável por 60% dos abastecimento de BH. “Na altura da comunidade de Pinhões, em Santa Luzia, na Grande BH, as pessoas já conseguem atravessar o Velhas andando. A cota, que deveria estar em dois metros, está agora com 10 centímetros. Imaginem o que será no período da seca. As autoridades devem pensar num plano de contingenciamento, incluindo a divulgação de consumo mais racional. Acabou a época de abundância de água e os problemas precisam ser compartilhados”, diz Polignano.