“Nós apenas cumprimos o Estatuto da Criança e do Adolescente. A prioridade absoluta é a criança, não a mãe dependente química.” A afirmação é do juiz Marcos Padula, de 51 anos, há 11 titular da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, em reação à postura do Conselho Municipal de Saúde, que decidiu na semana passada que técnicos das unidades básicas de saúde e das maternidades não vão mais acatar as recomendações 05 e 06 da Promotoria da Infância e da Juventude, ambas de 2014. Pelas medidas sugeridas pelo Ministério Público, profissionais da saúde devem avisar ao Poder Judiciário toda vez que nascer um bebê de mãe usuária de álcool e drogas.
Desde que foram publicadas as recomendações do MP, o nascimento de um a dois bebês nessas condições tem sido relatado por dia em Belo Horizonte. Se todos as crianças fossem encaminhadas a abrigos, entre 30 a 40 recém-nascidos por mês seriam afastados das mães dependentes químicas. Com isso, a capital mineira teria de criar, a cada mês, dois abrigos especializados no acolhimento a crianças de até um ano, com capacidade para até 15 crianças. Na avaliação do Conselho Municipal de Saúde, a separação do convívio de mães e dos bebês estaria ocorrendo de forma apressada, sem dar chances de defesa à mãe. O juiz Marcos Padula nega.
Antes das recomendações do MP, já havia uma portaria de 2010 determinando que os hospitais informassem o nascimento de crianças em situação de risco. Se o médico, assistente social ou psicólogo identificam que a mãe é usuária de drogas pelos próprios exames, pela própria declaração da mãe ou em função da criança nascer com sífilis ou HIV congênitas, o hospital é obrigado a comunicar ao Juizado.
Caso a mãe não seja encontrada para depor, o recém-nascido ficará retido na maternidade ou transferido para os abrigos, até que se consiga conversar com o pai da criança ou com alguém da família que possa assumir a guarda, como avós ou tios. De acordo com a Vara da Infância, a cada 10 bebês de mães usuárias de crack, cinco ou seis são encaminhados a parentes na família natural e quatro ou cinco seguem para adoção em família substituta. “Damos todas as chances para a mãe e o pai se recuperarem das drogas, com a inscrição em programas de tratamento, em programas de moradia e terapia. Só falta nossa equipe trazer a mãe no colo para depor, porque muitas vezes elas estão sem endereço fixo, embaixo dos viadutos”, diz o magistrado.
Entidade Para Padula, seria omissão um juiz permitir a saída da criança das maternidades diretamente para viver com as mães nas ruas. A partir do momento em que o bebê está acolhido no abrigo, ele garante, começa uma corrida para verificar a possibilidade de reestruturação familiar. Geralmente, a Justiça garante o intervalo de três a seis meses para ver se os pais manifestam interesse em se recuperar, em aderir ao tratamento e ter os filhos de volta. “Depois vem o relatório dos técnicos da prefeitura e dos abrigos, com o plano individual de acolhimento, indicando, caso a caso, se a criança irá para a família extensa ou para adoção. Dentro desse tempo, se a mãe demonstrar ter parado mesmo de usar drogas, poderá haver uma reversão da adoção. Só não podemos ficar esperando a vida toda pela mãe, porque não seria justo com a criança”, diz.
O titular da Infância e da Juventude vê com bons olhos a criação de uma entidade, vinculada a um hospital, que pudesse acolher o recém-nascido acompanhado da mãe em tratamento contra as drogas.