A vida desse homem dá um samba-enredo, com todos os quesitos necessários para levantar a arquibancada, jogar os holofotes sobre o período imperial e mostrar que Minas Gerais e Rio de Janeiro sempre fizeram excelentes parcerias. Natural de Congonhas de Sabará, nome primitivo de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Cândido José de Araújo Viana (1793-1875) entrou para as páginas da história do Brasil – e para a maior farra nacional, o carnaval – como marquês de Sapucaí. No primeiro caso, fez fama como deputado, senador, desembargador, conselheiro do Império, ministro das Finanças e da Justiça e ocupante de outros cargos importantes nos tempos de dom Pedro I (1798-1834), Regência e dom Pedro II (1835-1891); já no segundo momento, a folia, seu nome batizou a avenida da capital fluminense onde, no início da década de 1980, foi construído o Sambódromo, palco do “maior show da terra”.
O primeiro verso de um samba para homenagear o marquês de Sapucahy, que antes foi visconde, poderia começar pelo seu nome. Registrado Cândido Cardoso Canuto Cunha, ele decidiu alterar o nome aos 13 anos, passando a se chamar Cândido José de Araújo Viana. “A família era mais conhecida por Araújo Viana, daí a sua decisão, com a licença do pai”, diz o historiador mineiro Walter Gonçalves Taveira, autor, com Bráulio Carsalade Villela, do livro Marquês de Sapucahy, oexecutivo do Império, lançado no ano passado. Para Taveira, trata-se de um grande brasileiro, de expressão política e idoneidade moral, que também foi presidente das províncias de Alagoas e Maranhão, preceptor dos filhos dos imperadores e poliglota.
Nascido numa família numerosa e com dois irmãos médicos, o jovem Cândido, aos 21 anos, foi nomeado pelo príncipe regente Dom João VI (1767-1826) para o cargo de ajudante de ordenança do Termo de Sabará. Dois anos depois, seguiu para fazer os estudos jurídicos na Universidade de Coimbra, em Portugal.
A partir daí, foi uma sucessão de cargos de relevância, diz Taveira. Cândido assumiu a direção do Diário da Assembleia, no Rio; retornou a Mariana para ocupar novamente o cargo de juiz; foi nomeado desembargador de Relação em Pernambuco, sendo transferido em 1832 para a Bahia; elegeu-se três vezes deputado; e chegou ao Senado como vitalício. O escritor não poupa elogios ao conterrâneo que ganhou um busto na Praça Bernardino de Lima, em frente ao Teatro Municipal e à Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Nova Lima, e destaque no Centro de Memória local (Rua Tiradentes, nº 78), vinculado à Secretaria Municipal de Cultura.
REFORMA Impossível não ficar impressionado com a multiplicidade de funções desempenhadas pelo marquês de Sapucaí. De acordo com o livro Nova Lima, ontem e hoje, de 2013, o mineiro ilustre “foi nomeado, em 1839, professor de literatura e ciências positivas de Dom Pedro II e suas irmãs e, mais tarde, mestre das princesas suas filhas”. E mais: “Sua participação na vida política melhorou a instrução pública e o aprimoramento da direção científica do Museu Nacional (…) Era profundo latinista, versado em grego, hebraico e várias línguas europeias”.
O escritor Walter Taveira lembra que os feitos do marquês são infinitos, de grande influência no Império, em especial na economia, no período em que foi ministro das Finanças, entre 1831 e 1834. No período da Regência, empreendeu uma grande reforma, propiciando a estabilização financeira do país. O dedo do marquês esteve presente na decisão que permitiu a entrada de capital estrangeiro na mineração, reforma do correio e instituição do Selo Nacional.
Taveira explica que a ideia de escrever o livro partiu das poucas informações existentes sobre o marquês de Sapucaí. “É fundamental lembrar que ele também foi poeta.” Com esse nobre currículo, vai um aviso aos sambistas e carnavalescos: está passando da hora de o mineiro ser homenageado pelas escolas do primeiro grupo do Rio. “Sem dúvida, esta história dá samba”, brinca o escritor.
Saiba mais
CONGONHAS
DE SABARÁ
A história de Nova Lima começa no fim do século 18, quando o bandeirante paulista Domingos Rodrigues da Fonseca Leme chega em busca de ouro. O primeiro nome dado ao lugar é Campos de Congonhas, que se refere a uma planta. Mas, devido à grande quantidade do metal, o nome muda para Congonhas das Minas de Ouro. Em 1836, é criado o distrito subordinado ao município de Sabará, daí a denominação Congonhas de Sabará. Em 5 de fevereiro de 1891, a localidade é emancipada e passa a se chamar Villa Nova de Lima, em homenagem, segundo pesquisa do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), ao historiador, poeta e político Antônio Augusto de Lima (1859-1934), que nasceu no local nos tempos de Congonhas de Sabará. Em 1923, o município recebe o nome de Nova Lima.
Linha do tempo
1793
Em 15 de setembro, Cândido Cardoso Canuto Cunha nasce em Congonhas de Sabará, atual Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
1814
Com 21 anos, Cândido é nomeado para o cargo de ajudante de ordenança do Termo de Sabará
1816
Em outubro, o jovem viaja para Coimbra, Portugal e se torna bacharel em direito
1823
Eleito deputado por Minas Gerais para a Assembleia Constituinte do Império
1826
Eleito deputado pela província de Minas Gerais
1831
Como ministro das finanças, o mineiro promove uma grande reforma econômica
1840
É eleito senador pela província de Minas; ocupa a presidência do Senado de 1851 a 1853
1875
Em 23 de janeiro, Cândido morre no Rio de Janeiro; imperador dom Pedro II comparece ao velório.