A vida sem água mergulha os mineiros em incertezas, muda a rotina das famílias, que se viram como podem para driblar a crise, e traz à tona os incômodos do dia a dia com a escassez hídrica. Apenas nas cidades atendidas pela Copasa, mais de 2,6 milhões de pessoas enfrentam problemas de abastecimento. Em três municípios, apontados como em situação pior – Urucânia, na Zona da Mata, Pará de Minas, na Região Centro-Oeste, e Campanário, no Vale do Rio Doce –, o cenário é de economia de recursos naturais em tempos de guerra: racionamento e rodízio no fornecimento.
O drama que desespera muitas famílias, principalmente as que têm criança pequena ou doentes, parece não ter fim e em breve pode ser enfrentado pelos moradores de Belo Horizonte. “Estou acompanhando a situação na capital. Não é nada fácil”, diz Margarida Maria da Silva Alves, moradora de Urucânia, município com rodízio de cinco dias no abastecimento pela Copasa.
Também em Urucânia, a dona de casa Marcilene de Paula Dionísio, mãe de um menino de 5 anos e de uma menina de cinco meses, compartilha da opinião da conterrânea por experiência própria: em dezembro, ficou 15 dias sem água, sendo obrigada a caminhar dois quilômetros e buscar água numa bica considerada “salvação de Urucânia”. Em Viçosa, na mesma região, a crise se instalou há quase um ano e obrigou o Serviço Autônomo de Água e Esgoto a pôr na rua fiscal autorizado a notificar e aplicar multa.
Em Pará de Minas, os dois reservatórios que abastecem a cidade praticamente secaram e os problemas transbordaram nas últimas semanas, já que a água tratada não tem pressão para chegar aos bairros mais altos. Como nos velhos tempos, os chafarizes entram em cena, pois a Copasa e a prefeitura montaram vários reservatórios comunitários pela cidade com um “colar” de torneiras. O drama em Campanário não é diferente. Moradores são obrigados a buscar água até em repartições públicas para matar a sede, tomar banho e cozinhar.
Viçosa – Quando a motocicleta laranja chega perto, conduzida pelo rapaz de camisa da mesma cor, pode saber: no endereço, tem gente que “varre” o passeio com mangueira, lava o carro com o esguicho, fecha os olhos para vazamentos, enfim, desperdiça água. Com a prancheta em punho e constatando a infração, Alexandro Júnior de Paula Simões desce da moto, notifica o morador e alerta para a séria crise hídrica na qual se encontra Viçosa, na Zona da Mata, a 246 quilômetros de Belo Horizonte. Funcionário do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), Alexandro, de 23 anos, se tornou conhecido como fiscal da água no município que adotou racionamento do recurso natural, rodízio no fornecimento e multa em R$ 80,40 se houver reincidência. “Dessa cobrança, não tem como escapar, pois vem na conta de água no fim do mês”, afirma com tranquilidade.
Os problemas no abastecimento em Viçosa, que tem população de 72 mil habitantes e flutuante de 15 mil, devido à universidade federal (UFV), começaram em fevereiro de 2013, com o estado de alerta decretado pela prefeitura. Seguiu assim até 18 de dezembro e foi suspenso com a chegada da chuva da primavera. Mas, a partir da última quarta-feira, voltou o estado de emergência devido ao baixíssimo nível dos pontos de captação localizados no câmpus da universidade e no Ribeirão São Bartolomeu. Dessa forma, há interrupção no fornecimento durante 12 horas – a cada vez, são 12 mil pessoas no seco. Com a medida, a cidade conseguiu reduzir em cerca de 40% o consumo de água.
determinação Simpático e com jeito tímido, embora com olhar determinado, Alexandro diz que a conscientização da população melhorou desde que as medidas foram implantadas. “Trabalho até no sábado e fico atento ao desperdício. A campeã em infrações é a limpeza das calçadas com mangueira, seguindo-se a de veículos”, diz o fiscal. As irregularidades são detectadas por ele, quando está rodando pela cidade, e as reclamações, recebidas pelo SAAE, via telefone. “Antes de começar o racionamento, houve uma grande campanha na cidade, explicando os detalhes. Agora todo mundo vê que, sem chuva, ficaremos ao deus-dará”, diz Alexandro.
O Estado de Minas acompanhou uma manhã de serviço de Alexandro. Ele admite que, algumas vezes, chega com um pé atrás ao endereço. “Certa vez, um homem no Bairro Santa Clara jogou água no meu rosto. Falei que eu era um funcionário público e que ele, com seu gesto rude, poderia ser preso por desrespeitar a lei”, conta o estudante de ciências contábeis na UFV, esclarecendo que o homem lavava o carro com mangueira. Na manhã de sábado, eram 10h, quando o telefone celular do fiscal tocou, indicando uma ocorrência.
No Bairro Santo Antônio, que no sábado estava sem fornecimento de água, os moradores reconhecem a importância do trabalho de Alexandro. O auxiliar de laboratório Geraldo Paiva foi notificado há três meses por estar lavando o carro na rua. “O meu filho chegou da roça com o veículo muito sujo e foi no momento em que o fiscal passou”, recorda-se Geraldo, que conseguiu reduzir o gasto de água em casa. “Acabei com a horta, onde tinha cebola, salsa e couve. Só ficaram as couves”, mostra os canteiros vazios no quintal. “Estamos numa época de crise, então, acho que deveria haver uma taxação para quem gastasse além do permitido.” Num outro ponto, Alexandro mostra o bom exemplo: um homem lavando o carro com uma lata e um pano.
O prefeito Ângelo Cherquer (PSDB) diz que o mais importante no momento é estar vigilante, poupar água e não desperdiçar. “Estamos pensando em planos B e C, que se traduz na perfuração de poços para suprir a demanda.” No total, foram registradas 130 notificações e aplicadas 14 multas. O certo mesmo é que todas as vozes se levantam contra o desperdício. Na missa das 19h, na Matriz de Santa Rita de Cássia, o padre José Cassemiro Sobrinho falou sobre a situação e rogou a Deus pedindo misericórdia, embora sem livrar o homem pelas sérias ameaças à natureza.
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