Urucânia – Os moradores do Bairro Paulo Giardini, próximo ao Centro da cidade da Zona da Mata, com pouco mais de 10 mil habitantes, sabem de cor e salteado como é viver com a água por um fio. Há meses, eles sofrem com o racionamento do recurso natural, que chega às casas de cinco em cinco dias – quando chega. Em alguns períodos, como ocorreu em dezembro, as torneiras ficaram secas por duas semanas, levando quase ao desespero as famílias, principalmente mães com crianças recém-nascidas. “Ficar sem água é uma situação que deixa a gente transtornada. Imaginem em nossa casa, com um menino de 5 anos e uma menina de 5 meses para dar banho”, diz a dona de casa Marcilene de Paula Dionísio, moradora de um dos pontos mais altos do bairro.
Basta entrar na cozinha da residência para ver o tamanho do problema. E as formas de driblar a crise. Numa prateleira, estão embalagens de garrafa PET que, no momento pior da escassez, chegaram a 30 unidades cheias até a tampa. “Reclamei na Copasa, mas acho que só Deus poderá nos ajudar”, conta Marcilene, que mantém dois galões cobertos para o banho da família.
TESOURO LÍQUIDO Desde cedo é grande o movimento, com filas, diante da torneira que jorra água ininterruptamente e nunca secou, segundo os moradores. A caminho do manancial, é costume ouvir o povo dizendo: “Esta é a salvação de Urucânia”. Moradora próxima da mina, a faxineira Margarida Maria da Silva mostra a bica de água cristalina, e a compara a ouro. “Esse é nosso maior tesouro. Vale mais do que o metal, pois dessa aqui podemos beber à vontade para continuar vivendo com saúde”, afirma. Margarida e a sogra Isaura Alves, de 84 anos, vêm cuidando há anos do local, que tem plantas, lajeado e limpeza. “Estou acompanhando o problema em Belo Horizonte. O único jeito é não gastar”, orienta Margarida, certa de que o efeito “eu sou você amanhã” muitas vezes é inevitável em tempos de crise hídrica.
O prefeito Frederico Brun de Carvalho (PRB) diz que o município decretou emergência devido à falta do recurso natural. “Sem chuva, o nível dos córregos São José e Contendas baixou tanto que impossibilitou o abastecimento normal das casas. A Copasa tinha previsão de fazer cinco poços, mas só em dois foi encontrada água.
AJUDA DE VIZINHOS Em Campanário, no Vale do Rio Doce, moradores disseram que chegaram a ficar mais de uma semana sem água e fizeram um grande esforço para conseguir o recurso natural. A servidora pública Simone Maria de Jesus Rocha, de 45, chegou a ficar oito dias sem água. Com isso, ela teve de recorrer a vizinhos e a repartições públicas próximas de sua casa para se abastecer. O fornecimento só se normalizou na quinta-feira à noite.
Simone mora sozinha no Centro da cidade e diz que a falta de água em Campanário se agravou porque a Copasa não teria feito a ligação dos poços artesianos à rede de abastecimento das residências. A servidora informou que a companhia firmou convênio com a prefeitura para assegurar o abastecimento de água, mas não estaria cumprindo o contrato.
A dona de casa Maria da Conceição Pereira, de 40, relatou que conseguiu sobreviver em meio à crise de abastecimento nos últimos dias graças à reserva na caixa d’água da casa onde mora com mais seis pessoas. Mesmo assim, ela controlou o consumo e usou a água somente para higiene pessoal. Um caminhão foi ao bairro onde ela mora e abasteceu as residências.
Limpar a casa virou um luxo
A dona de casa Zaira Antônia Dutra, de 54 anos, guarda os três litros de água com que passa pano molhado na casa para usar na descarga do vaso sanitário.
A situação se complicou ainda mais nas últimas semanas e desde o dia 15 a água tratada não tem pressão para chegar aos bairros mais altos, que estão sem atendimento. A Copasa e a prefeitura montaram vários reservatórios comunitários pela cidade, cada um dotado de um “colar” de torneiras, uma espécie de chafariz, onde a população usa baldes, latas, galões e garrafas plásticas para buscar água. Alguns têm que andar mais de um quilômetro debaixo de sol escaldante para garantir a água para tudo. Os reservatórios são abastecidos por caminhões-pipas, que viajam mais de 40 quilômetros para serem enchidos no Sistema Serra Azul, no município de Juatuba.
São mais de 20 bairros na cidade e a situação é pior em 14 deles, como Walter Martins, Padre Libério, Capanema e Parque das Seringueiras, todos na parte alta da periferia da cidade. A água não chega há quase duas semanas para esses moradores. O lavrador Raimundo Romão dos Santos, de 61 anos, mora no Padre Libério e conta a ajuda da neta Maria Vitória, de 6, para não deixar faltar água em casa. A mulher dele está doente e não consegue andar. “Muita gente idosa não aguenta buscar água e depende da boa vontade dos vizinhos. Tenho um amigo deficiente físico e se não fosse a irmã, ele já teria morrido de sede”, disse o lavrador, enquanto carregava 150 litros de água em um carrinho de mão. “Comprei uma caixa d’água para colocar no chão e uso uma bomba para jogar a água na caixa de cima”, disse.
A agente de saúde Rosiane Nogueira Duarte, de 45, conta que em determinados horários há fila para pegar água no reservatório comunitário. “E já houve até briga de gente querendo furar a fila. Um homem ameaçou buscar um revólver e todo mundo saiu correndo”, disse. Ela denuncia que muitos estão aproveitando a situação para lucrar. No bairro, segundo Rosiane, são várias pessoas vendendo água. Para encher uma caixa de 500 litros, eles cobram R$ 70, segundo a agente de saúde.
HOSPITAIS Para não deixar faltar água nos dois hospitais da cidade, a Copasa mantém uma ligação direta com um reservatório central. No Centro, postos de combustível passaram a usar poços artesianos para lavar carros e a água é reutilizada. “A água passa por um processo de filtragem e volta para a caixa subterrânea”, conta o lavador de carros Lucas Átila de Sena, de 28. “Até trabalho com a consciência tranquila”, comentou.
Nos bairros mais nobres da cidade, como o São José, que fica em uma parte alta, moradores estão furando poços artesianos nos jardins das casas. Algumas perfurações chegam a 220 metros de profundidade, com cada metro custando R$ 200. A professora aposentada Maria do Carmo Matoso, de 66, conta que precisou se adaptar à situação. “Não desperdiço água e economizo o máximo que posso. A água com que lavo louça e roupas, guardo para jogar no vaso sanitário e lavar o chão. Costumo ficar sem água duas vezes por semana, mas a situação já esteve pior. No ano passado, cheguei a ficar três dias sem água e tinha que lavar roupas na cidade de Igaratinga, onde tenho parentes”, lembra. (Pedro Ferreira).