Além do nível reduzido dos reservatórios e do risco iminente de racionamento de água, outro problema grave ameaça o abastecimento de Belo Horizonte e da região metropolitana. Entre 2013 e 2014, a Companhia da Polícia Militar do Meio Ambiente sediada na capital registrou aumento de 3,84% (de 286 para 297) nas autuações por captação clandestina de água em 47 cidades fiscalizadas. Segundo a PM, os dados se referem à captação irregular via caminhões-pipa, poços artesianos sem outorga, desvio para irrigação e barragens proibidas, praticados por pessoas ou empresas. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) não informa o número de autuações no estado, mas garante que aplicou R$ 1 milhão em multas no ano passado, 20,4% a mais do que os R$ 830 mil de 2013.
“Normalmente, visitamos locais com outorga de captação de água para saber se estão cumprindo o que foi acertado e os que envolvem denúncias. Nos locais da Copasa, a captação irregular é insignificante. O principal problema é a pesca proibida”, informa o tenente Flávio José de Souza, chefe da seção de Planejamento Operacional da Cia. da PM do Meio Ambiente de BH.
Segundo o militar, a penalidade para captação clandestina é apenas administrativa, com multas entre R$ 72,77 e R$ 727.899,79. “O único crime previsto com relação à água é a poluição, conforme a Lei de Crimes Ambientais. Para captação irregular, as multas variam conforme o tamanho e as características da retirada de água sem autorização”, acrescenta o tenente.
“As captações não autorizadas estão sugando a água do sistema sem saber se há capacidade de vazão, principalmente por meio dos poços artesianos. A outorga é exatamente o instrumento de controle de disponibilidade e necessidade de consumo. Se ela é negada, é porque há uma possibilidade de desequilíbrio”, alerta o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, para quem a captação clandestina é preocupante.
‘Gatos’
Nas ruas de Belo Horizonte também é possível flagrar exemplos de furto de água por meio de “gatos”. Apesar de não entrar na conta da polícia ambiental, esse tipo de captação irregular está no bolo de 40% das perdas consideradas pela Copasa, além de vazamentos. A reportagem do EM percorreu ruas e avenidas da Região Centro-Sul, onde é comum a presença de flanelinhas, e flagrou conexões irregulares de água.
Ontem, na Rua Piauí, entre as ruas Bernardo Guimarães e Aimorés, no Bairro Funcionários, por exemplo, um lavador espalhou baldes perto dos carros e ligou a mangueira na tubulação protegida por uma caixa da Copasa. Além de encher os baldes, ele usou a mangueira também para lavar os veículos, gerando desperdício. Na tubulação não há relógio de consumo ou hidrante. Já na Avenida do Contorno, próximo ao cruzamento com a Avenida Bernardo Monteiro, no Bairro Santa Efigênia, mais de 20 lavadores também usam livremente mangueira ligada nos canos da Copasa.
O presidente do sindicato da categoria não foi localizado, mas a entidade informou que é necessário um ponto de água instalado pela Copasa para o lavador pagar o consumo. Caso contrário, a polícia deve ser acionada. Segundo a prefeitura, 1.170 lavadores estão cadastrados na cidade, mas não informou sobre o uso de água por eles. A Copasa não retornou o contato feito pela reportagem. 85% dos poços são clandestinos
A captação clandestina é um grave problema no interior do estado também. Em Montes Claros, no Norte de Minas, poços tubulares são abertos de forma descontrolada por chacreamentos ilegais. A água é usada em piscinas e condomínios rurais irregulares quase sempre sem outorga. A consequência é a diminuição da vazão ou secamento das nascentes de rios e córregos. A proliferação de condomínios rurais é investigada pelo Ministério Público, que considera que praticamente todos os chacreamentos em Montes Claros são ilegais, por comercializarem lotes com tamanho muito inferior a 20 mil metros quadrados, o mínimo exigido pela lei para venda de áreas na zona rural. Por isso, não têm licenciamento.
O técnico em meio ambiente José Ponciano Neto afirma que donos dos condomínios rurais perfuram poços sem outorga e sem critério. Segundo ele, para não comprometer o lençol freático, a captação subterrânea deve ser feita com profundidade mínima de 100 metros em região castiça, como o Norte de Minas. “No entanto, os proprietários dos chacreamentos ilegais contratam empresas clandestinas, que perfuram poços tubulares de 50 a 60 metros de profundidade. Esses poços interceptam justamente a água que alimenta as nascentes dos mananciais na superfície”, alerta o técnico.
“Posso garantir que 85% dos poços tubulares perfurados na região não têm outorga”, afirma Ponciano, integrante do Conselho Regional de Meio Ambiente (Copam Norte de Minas). Ele cobra maior fiscalização do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
A menos de 500 metros da nascente do Rio Riachão, em Montes Claros, um condomínio rural com construções de alto padrão é abastecido com água de poço tubular. Na casa luxuosa, uma piscina chama a atenção. Na década de 1990, o Riachão (bacia do Rio São Francisco ) parou de correr, porque bombas de grandes irrigações na cabeceira e na nascente sugavam a água, prejudicando mais de 2 mil famílias de pequenos produtores. Eles criaram o Movimento dos Sem Água para protestar. O Igam lacrou as bombas dos grandes produtores e o Riachão voltou ao curso normal. O agricultor Antônio Denílson de Aquino, da comunidade de Santo André, diz que o Riachão já correu o ano inteiro no fundo de sua casa, garantindo as plantações de milho, feijão, abóbora e hortaliças. Ele diz que o problema é consequência da captação de água por poços tubulares.