Ivan Drummond
Enviado especial
Governador Valadares - Do tormento da inundação ao flagelo da seca. Três anos depois de sofrer a terceira pior enchente de sua história, que encerrou um ciclo de três décadas de transbordamento do Rio Doce, Governador Valadares vive o drama da estiagem e de novo racionamento. Como não chove na região desde 17 de dezembro, segundo o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), o rio que abastece a cidade, que chegou a subir mais de 5 metros em 1979, está 20 centímetros abaixo do nível normal. O leito expõe pedras e bancos de areia.
O racionamento deve começar este mês, segundo o serviço de água, porque o nível do rio chegou ao ponto mais crítico deste período de estiagem e o abastecimento foi afetado.
A captação de água é feita por quatro bombas, mas uma teve de ser desligada porque estava sugando areia e ar, por causa do volume reduzido. Com isso, a captação caiu para 200 litros por segundo. Se a estiagem continuar, outra bomba também pode ser desligada.
No local onde estão as bombas coletoras, o Saae dragou areia para desassorear o rio e fez uma pequena barragem para acumular água e ampliar a captação. Além disso, são feitos contatos permanentes com a Usina de Baguari para monitorar o controle da vazão do rio.
O Saae diz que desde julho do ano passado está alertando a população para a necessidade de economizar água. Entre setembro e dezembro, o fornecimento de água foi feito apenas à noite. Os registros eram fechados às 6h e reabertos às 17h. Assim, a empresa conseguiu diminuir o consumo ao evitar a abertura de torneiras durante o dia.
POPULAÇÃO ATENTA
A economia de água é um dos principais assuntos da população. Antônio Lopes Vieira, de 44 anos, churrasqueiro de um restaurante, está preocupado: “Todos sabíamos que, se não chovesse, haveria racionamento. Aqui no restaurante, a gente aproveita a água da lavagem de verduras e legumes e a de pratos, que não leva gordura, para lavar o passeio. As mesas não são mais lavadas, passamos um pano úmido ou usamos álcool.” Em casa, também não é diferente na hora da higiene pessoal, como escovar os dentes e tomar banho: “Somos eu, minha mulher e dois filhos. Reduzimos o tempo do banho. Molha, ensaboa e depois tira o sabão”.
O eletricista Geraldo Damásio, de 46, mora em uma casa de dois andares à beira do Rio Doce. Ele teve de encerrar uma obra no terraço por causa da escassez de água. “Tinha mais coisas a fazer, mas como tivemos de reduzir o consumo, ficou apenas no piso. E completa: “Eu nunca tinha visto o Rio Doce tão vazio como agora. Não sabia, por exemplo, que havia pedras grandes no leito”. Além disso, o racionamento foi outra medida necessária em casa dele, com redução do consumo em diversas atividades.
Uma das diversões da população de Governador Valadares, em especial os adolescentes, era saltar da ponte sobre o rio que liga a cidade à Ilha dos Araújos. Não dá mais para fazer isso. Quem tentar, certamente, baterá a cabeça nas pedras. “O que a gente faz para se divertir é atravessar o rio a pé. Antes, só a nado ou de barco”, conta Arthur Expedito Nascimento, de 14. “Cresci aqui, na beira do rio. Aprendi a nadar e pular era parte da minha diversão e dos meus amigos. Agora, só caminhando. Nunca imaginei que a água iria acabar,” afirma.
Quem sobe o Pico do Ibituruna também lamenta a vista lá de cima. “A gente sempre vem aqui quando visita Valadares. Mas olhar agora dá impressão de um rio triste, pouco caudaloso. E essas pedras e bancos de areia aparecendo, muito triste também”, diz Pedro Gregório Alves, de 32, ao lado mulher, Maria Rita, de 30.
Já vai longe o tempo em que a chuva fazia o Rio Doce transbordar, inundar a cidade e deixar muita gente desabrigada, como nos bairros Santa Terezinha e São Tarcísio, além da Ilha dos Araújos. Moradores de Governador Valadares chegaram até a criar um ranking com as maiores inundações, sempre em janeiro. A pior é a de janeiro de 1979, quando o nivel do rio subiu 5,18 metros. A segunda ocorreu em 1997, e a água chegou a 4,77 metros acima do nível normal. A terceira ocorreu em 2012, com nível de 4,13 metros. E a quarta em 2002 (foto), quando o rio quase repetiu um dos limites acima, e houve uma das maiores perdas materiais para a população. Era comum declarar estado de calamidade pública e muita gente era salva ou recuperava móveis e outros bens por meio de barcos e com a ajuda dos bombeiros.