Eles entenderam o problema e responderam ao apelo para economizar. Com a crise da água que preocupa Minas Gerais, encontraram alternativas, buscando, nos mínimos detalhes, soluções para o dia a dia. Famílias inteiras, setores do comércio e da indústria se mobilizam para fazer da palavra reaproveitar a mais importante do vocabulário. Hábitos práticos e simples, que vão da coleta da água do ar-condicionado ou da chuva, revelam-se ações fundamentais para se alcançar a meta de 30% de redução de consumo estabelecida pelo governo do estado como forma de evitar o racionamento nos próximos três meses.
Por enquanto, a situação é alarmante: duas semanas depois do anúncio do colapso hídrico, a queda no consumo foi de apenas 13%, menos da metade do necessário, conforme mostrou o Estado de Minas em sua edição de sexta-feira. Índice que poderia ser bem melhor se fossem seguidos bons exemplos espalhados pela Grande BH entre empresas, donos de imóveis e até gente bem jovem, como David Tófani Gonçalves Machado Gomez Werneck, de 13 anos, morador de Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH.
Tudo começou quando, em casa, a mãe fez uma reunião com a família toda para traçar um plano de economia. Por seguir os exemplos do pai, um advogado ambientalista, foi fácil atender ao apelo. Ele procurou o que poderia fazer e logo se deparou com os três aparelhos de ar-condicionado, que pingam muito durante a noite. Pôs baldes para coletar a água e, para sua surpresa, ao amanhecer, viu uma grande quantidade. Não teve dúvidas de que deveria manter o trabalho. Agora, a água é usada para lavar o canil do amigo Thor.
Com a chuva desta semana, mais recipientes foram espalhados pelo quintal para garantir água para a limpeza da casa. Quem trabalha na casa foi devidamente informado de que o conteúdo dos baldes é precioso. “Vou continuar fazendo, porque está dando certo. Economizo água e ajudo o planeta, neste momento em que todos devem colaborar”, diz. O adolescente tem no pai o grande exemplo, que é para ficar: “Ele é quem mais se preocupa e me ensinou tudo isso”.
Professor associado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais, Ricardo Motta Pinto Coelho incentiva as ideias, mas chama a atenção para alguns cuidados. Ele ressalta que a água de chuva não é apropriada para consumo humano ou de animais, devendo ser usada somente para limpeza ou descarga. “Dependendo da região, como a Cidade Industrial ou o Barreiro, a chuva pode estar contaminada com enxofre, sulfetos ou, ainda, ser ácida”, afirma. Mesmo com uso restrito, o ideal é submeter o líquido a pré-filtragem ou, em alguns casos, filtragem.
O professor acrescenta que águas que caem em calhas em que há pássaros exigem atenção redobrada, pois podem ser contaminadas por coliformes fecais e até carrear doenças dos animais. Nesses casos, o aconselhável é um pré-filtro (comprado facilmente em lojas do Centro da capital) para tirar detritos, e um filtro de carvão ativado (o de barro de dois compartimentos tem vela com carvão), que remove poluentes.
A hora é de enxugar
Economia em casa e no ambiente de trabalho. Setores que têm na água a chave do serviço também entraram na corrida contra o tempo para reduzir o consumo e garantir o andamento das atividades. No Alto Paranaíba, o exemplo vem de um laticínio, que deixou de jogar fora parte do líquido da produção de queijo ao reaproveitar o soro e transformá-lo em água potável. A chamada “água da vaca” é usada para limpeza, para lavar pátios e para a irrigação de jardins. A iniciativa rende, atualmente, uma economia entre 15% e 20% do consumo.
“Em 2012, começamos a enxergar a crise hídrica, pois os índices pluviométricos diminuíam a cada ano”, conta o gerente industrial do grupo Tirolez, Gilmar Machado de Almeida. No fim de 2013, foi criado o programa Produção mais limpa, com a meta de não gerar qualquer tipo de efluente. “A indústria de laticínios gasta mais água por causa do processo, que tem várias fases e muita intervenção manual”, diz. Os órgãos ambientais preconizam de dois a três litros de água para o processamento de cada litro de leite. A empresa gastava 2,1l em 2012 e, seis meses depois da campanha, reduziu para 1,8l. Hoje, alcançou a marca de 1,4l.
“Deixo de usar água que capto de rios e outras fontes, embora o processo custe mais”, afirmou. Para Almeida, trata-se de uma atitude sem volta, mas que, para dar certo, depende da conscientização de todos, da diretoria à manutenção. “Embora não sejam as maiores consumidoras de água, é o momento de as indústrias despertarem e não fazer reuso de água simplesmente, mas economia mesmo”, diz Gilmar.
Conselho que já é seguido pela empresária Maria Aparecida Pereira Santos, dona de um instituto de beleza no Bairro Sagrada Família, na Região Leste de Belo Horizonte, que conseguiu reduzir em 30% o consumo de água tratada da Copasa. Por dia, a funcionária dela, Maria Antônia Rosa, de 66, chega a lavar 300 toalhas para cabelo e aprendeu a lição da patroa.
A máquina de lavar funciona em três ciclos – cada um gasta 137 litros de água. Maria Antônia bate primeiro as toalhas em um tanquinho elétrico, e depois transfere as roupas e a água com sabão para a máquina de lavar, para outro processo de lavagem. A água das etapas finais é armazenada em baldes para ser reutilizada na limpeza do piso do salão. “Também uso a água do enxágue para deixar de molho as toalhas que vão ser lavadas no dia seguinte”, conta Maria Antônia.
Maria Aparecida instalou ainda redutores de pressão nas torneiras, para diminuir o volume da água. “Antes, a gente sempre lavava o salão. Agora, estamos passando pano molhado para economizar”, conta a empresária. “Além de fazer a minha parte, economizando água neste momento de crise, estou poupando dinheiro”, comentou.
MUDANÇA O perfil das casas também começa a mudar. Nas lojas cresceu, principalmente por parte das construtoras, a procura por vaso sanitário com caixa de dois ciclos acoplada, que gasta três litros de água para resíduos líquidos e seis litros para sólidos. O gerente de vendas Carlos Augusto Roberto Cruz diz que uma descarga com válvula na parede, quando mal regulada, pode gastar até 18 litros de água de uma só vez. “Além de economizar água, o outro modelo é mais prático e silencioso e diminui os riscos de infiltração na parede”, explicou.
A aposentada Eugênia Scoralick, de 53 anos, vai economizar até 15 litros de água toda vez que acionar a descarga do seu banheiro novo. Ela comprou a bacia sanitária de dois ciclos e pretende convencer a mãe a fazer o mesmo. “A descarga de parede pode ser apertada por muito tempo e a água vai embora. Com esse modelo não existe esse problema”, alertou.
Enquanto isso...
...pressão sobre a indústria
Integrantes do Projeto Manuelzão e de organizações não governamentais lançaram ontem movimento exigindo do governo do estado que tome providências também em relação ao setor industrial para garantir a redução do consumo de água. A mobilização, que começou nas redes sociais, cobra a mesma postura para indústrias e mineradoras. O idealizador do movimento, o ambientalista e coordenador do Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, critica o preço pago pelo setor pela outorga por captação de água bruta: entre R$ 0,01 e R$ 0,02 a cada 1 mil litros. Em nota, a Copasa informou que nos municípios atendidos por ela, o volume de água tratada consumido pelas indústrias equivale a 3% e que não há instrumento legal para obrigar o setor a adotar, por exemplo, o sistema de reuso da água. “Cabe a todos, poder público, cidadãos, comércio e indústrias (...) adotar medidas que visem à redução do consumo e atingir a meta de economizar 30%.”
Nível dos reservatórios
Sistema Paraopeba
(Compreende os subsistemas
Rio Manso, Vargem das Flores
e Serra Azul)
Volume em 6/2: 29,7%
Ontem: 29,8%
Rio Manso
Volume em 6/2: 43,5%
Ontem: 43,6%
Serra Azul
Volume em 6/2: 6,7%
Ontem: 6,8%
Vargem das Flores
Volume em 6/2: 28,6%
Ontem: 29,1%
Sistema Rio das Velhas
Vazão em 5/2: 29,7 metros cúbicos/segundo
Em 6/2 (última medição): 42,7m3/s