Marinella Castro e Mateus Parreiras
O Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, bateu ontem a marca de mais de 15 horas fechado, em uma maratona de caos e insatisfação que começou há três dias, transformando em pesadelo os planos de milhares de passageiros. Apenas no domingo, 93 voos foram cancelados e, pela manhã, em momentos de pico de congestionamento aéreo, mais de 60 estavam atrasados. Apesar do caos que começou na sexta-feira, quando o terminal fechou sua pista por cinco horas devido ao tempo chuvoso, e do tumulto que paralisou pousos e decolagens durante sete horas no sábado, somente na tarde de ontem o ILS (sigla em inglês para sistema de pouso por instrumentos) foi reativado, às pressas.
A expectativa agora é quanto ao carnaval. Enquanto cidades do interior do estado decidiram não promover a festa, devido à escassez de água, Belo Horizonte tem expectativa do maior público dos últimos anos. Ontem, a BH Airport, concessionária responsável pelo aeroporto, informou que o ILS vai funcionar por 24 horas até quarta-feira. A partir daí, a previsão é de que o aparelho volte a operar apenas no período noturno, sendo desativado durante o dia para prosseguimento das obras. Segundo a assessoria de imprensa da concessionária, não há um planejamento específico para pousos e decolagens durante o feriado. Porém, caso a baixa visibilidade continue, o regime de operação do ILS será reavaliado.
Enquanto isso, o usuário do aeroporto enfrentou clima de tensão pelo terceiro dia consecutivo. Passageiros exaustos, discutindo com funcionários de companhias áreas ou dormindo nos sofás dos halls do terminal ou pelo chão eram cenas comuns. As portuguesas Helena Coutinho, empresária no setor de turismo, e Maria Coutinho, médica, vieram de Lisboa com destino a Ilhéus, com conexão em Confins. Maria diz que a tensão começou no avião, quando o piloto informou que não havia condição para pouso, porque o aeroporto não funcionava com o ILS. “O voo estava tranquilo. Não conseguíamos ver motivo para não aterrissar. Viajo pelo mundo todo, e já pousei até mesmo com tempestade de neve”, criticou. Ontem, as duas deveriam ter seguido para Ilhéus às 11h. Mas o voo foi cancelado e as passageiras, transferidas da Gol para um voo da Azul com destino a São Paulo. “Torcemos para conseguir chegar a São Paulo a tempo de embarcar para Ilhéus.”
Retidos desde a sexta-feira
Em situação parecida estava a família da médica Kátia Tie Taneda, que comprou um pacote de férias para Ilhéus. Eles vieram de Porto Alegre para fazer conexão em Confins e desde a sexta-feira estavam presos em Belo Horizonte. “Por causa do aeroporto, perdemos três dos sete dias de férias”, lamentou. Desesperada para chegar à Bahia, onde é diretora de uma escola e tem compromissos hoje, Eliabe Moraes chegou a comprar uma segunda passagem de R$ 1,5 mil pela Azul, já que seu voo pela Gol havia sido três vezes adiado. “Minha queixa não é quanto ao aeroporto, mas contra a concessionária. Como pode um aeroporto internacional não dispor de tecnologia para pouso em dias de chuva?”, questionou.
Cansado, o autônomo Hermínio Nunes não via a hora de chegar em casa. Seu voo para Salvador estava atrasado havia 24 horas devido ao mau tempo em Confins. O recurso encontrado pela companhia aérea foi alocá-lo em um voo para Campinas para, de lá, ele seguir viagem. Hermínio veio de Palmas e acabou ficando preso no terminal da Grande BH, onde faria apenas uma conexão.
Pilotos sem ‘guia’ em meio à neblina
O grande volume de atrasos e cancelamentos de voos no aeroporto de Confins poderia ser, se não evitado, pelo menos minimizado com o funcionamento do ILS em tempo integral. O equipamento do terminal – do tipo mais simples disponível no mercado – foi desligado em setembro do ano passado, quando a pista enfrentava obras de ampliação, de 3 mil para 3,6 mil metros. A previsão da Infraero era de que a remontagem, com a calibragem para as novas dimensões, terminaria só no mês que vem. De acordo com estimativa feita no ano passado pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, a instalação desse tipo de tecnologia representa redução nos fechamentos de pistas por baixa visibilidade – que foi estimada em 13% no aeroporto de Curitiba e em 50% no Santos Dumont, no Rio de Janeiro. A BH Airport afirma não ter essa projeção, mas especialistas ouvidos pelo Estado de Minas endossam os números da secretaria. Até meados do ano passado, pelo menos 32 aeroportos do país tinham o aparelho, segundo o órgão do governo federal.
Para o professor de aviação Rui Gomide, a ausência do aparelho agrava as condições de gerenciamento dos pousos e decolagens sob condições de baixa visibilidade. Caso o ILS estivesse operante, os cancelamentos e atrasos certamente seriam menores, sustenta. “É imperioso que esse sistema funcione em um aeroporto movimentado como Confins, pois fornece informações importantes aos pilotos, como o ângulo de aproximação, além de centralizar o avião na pista. Isso minimiza as dificuldades, ainda que haja situações de pouca visibilidade em que nem a máquina permita um pouso seguro”, afirma.
O Departamento de Controle Aéreo Espacial da Aeronáutica (Decea) informa que o ILS tem a função de munir os pilotos de duas informações essenciais: “o eixo da pista e a trajetória ideal de planeio”, ou seja, a qual distância e altura está a pista e qual a trajetória adequada. O aparelho de Confins é um ILS do tipo 1, o mais simples, que garante informações de pouso a uma altura mínima de 60 metros e visibilidade superior a uma distância entre 550 e 800 metros. Com esse espaço, segundo o Decea, o piloto consegue distinguir os elementos de orientação demarcados na superfície da pista. De acordo com a assessoria de imprensa da BH Airport, ainda não se consegue estimar em quanto o funcionamento do ILS auxiliaria o funcionamento em Confins, por haver intermitência muito grande de visibilidade e teto na região do aeroporto.