Inexperiência, frio, posicionamento desfavorável... Não bastassem os tradicionais desafios de uma guerra, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) acumulavam uma série de adversidades no combate por Monte Castelo, na Itália. Mas não sucumbiram. Depois de exaustivo combate entre 24 de novembro e 21 de fevereiro, a maior parte deles no inverno europeu, as tropas brasileiras conseguiram derrubar os soldados dos exércitos nazi-fascistas de Itália e Alemanha, dando passo importante em pleno território inimigo. A tomada de Monte Castelo, considerada fundamental para o avanço dos Aliados rumo a Bolonha, completa hoje 70 anos. Uma cerimônia em Belo Horizonte vai homenagear os veteranos de guerra.
Na parte baixa do Monte Castelo, os soldados brasileiros tinham a missão de derrubar as tropas inimigas para permitir o avanço das forças aliadas. Mas a ofensiva tinha a complexa missão de dominar o adversário, que estava em posição bastante favorável. Tanto é assim que as primeiras tentativas de ataque fracassaram. Por três vezes, os brasileiros foram batidos por alemães. Assim, o objetivo de dominar a região antes do inverno não vingou.
Em um dos ataques, o então cabo João Batista Moreira acompanhava a infantaria, mas, num erro de comunicação, os disparos da artilharia, que vinham logo atrás, acertavam o soldados do mesmo exército. Ele então foi designado pelo comandante a avisar o problema aos soldados da artilharia. “Moreira, você vai morrer, mas vai salvar a companhia”, disse o comandante. Em velocidade, ele aproveitava os buracos no solo feitos pela bombas de 155 mm do exército alemão para esconder-se entre um avanço e outro. “Uma bomba não pode cair duas vezes no mesmo lugar”, diz ele hoje, aos 92 anos, com os resultados da bateria de exames necessários para visitar a Itália durante a comemoração de 70 anos do fim da guerra. Todo o esforço garantiu sobrevida aos militares da FEB.Apesar da valentia demonstrada em mais de uma ocasião, Moreira não pôde fazer muito ao ver de perto Frei Orlando ser morto com um tiro no peito depois de um disparo sem querer de um capitão brasileiro.
A partir de dezembro, além dos exércitos inimigos, os brasileiros tiveram que enfrentar um outro oponente tão letal quanto o armamento italiano e alemão. Aos 93 anos, o tenente reformado Geraldo Campos Taitson recorda-se de temperaturas muito abaixo de zero. Os termômetros marcaram até 18 graus negativos. Para isso, os pracinhas adotavam estratégias para resistir ao frio. À época soldado, ele lembra-se de, nas proximidades do Monte Castelo, ter ocupado uma casa abandonada por italianos e arrancado todas as portas internas. Depois disso, eles atearam fogo para aquecer os soldados brasileiros. Mas, com o rigor militar, o capitão exigiu que os pracinhas ressarcissem a família proprietária do imóvel pela destruição das portas e demais avarias.
EXEMPLO Os pracinhas cavavam buracos no solo para formar os chamados fox holes (tocas de raposa). Lá se enterravam a meio corpo por horas. Sob o risco de ocorrência do “pé de trincheira” (congelamentos de dedos e pés), soldados brasileiros passaram a usar uma galocha com feno em vez do coturno para facilitar a circulação. Dado o sucesso da inovação brasileira, soldados norte-americanos adotaram o mesmo para evitar a perda de membros. “Acostumados a bater enxada no Ceará, o nosso soldado foi para um frio de menos 10 graus”, afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (Anvfeb), Marcos Moretzsohn Renault Coelho. Outro exemplo para os Aliados foi o fato de brasileiros negros e brancos sentarem lado a lado para almoçar e fazer qualquer tipo de atividade, diz Renault. Segundo ele, isso serviu de exemplo para a tropa americana.
Em 21 de fevereiro, depois de mais de 10 horas de combate, os brasileiros conseguiram derrotar os adversários. Monte Castelo estava sob domínio das forças aliadas. “A tomada de Monte Castelo foi parte da ofensiva dos aliados para avançar sobre as posições alemãs na Itália, especificamente na região montanhosa dos Apeninos. A conquista brasileira deve ser vista em contexto mais amplo, já que a FEB era uma pequena unidade lutando ao lado de tropas aliadas muito mais numerosas”, afirma o professor do departamento de história da UFMG, Rodrigo Patto Sá Motta. E acrescenta: “Assim, a vitória brasileira — que foi alcançada após derrotas e mesmo o recuo de algumas tropas - contribuiu para um esforço mais amplo, que era o avanço conjunto das tropas aliadas naquele setor. Isso não significa reduzir a importância do feito, pois conquistar uma posição elevada defendida por tropas alemãs não era fácil”.
Em comemoração ao aniversário de 70 anos da tomada do Monte Castelo, veteranos da FEB se reúnem hoje na na Avenida Francisco Sales, a partir de 10 horas. Durante o evento, que terá desfile de tropas militares e exibição de veículos de guerra, o prefeito Marcio Lacerda deve ser homenageado com uma medalha de honra. O museu da entidade estará aberto para visitação.
Palavra de specialista
Rodrigo Patto Sá Motta, rofessor do departamento de história da UFMG
Mudança e cenário
"A formação da FEB e sua participação no teatro de guerra europeu foi decorrência da mudança de rumos políticos do governo de Getúlio Vargas, que abandonou uma posição simpática às potências fascistas por um alinhamento com os aliados. Político esperto e pragmático, Vargas entendeu que era difícil ficar em posição contrária aos Estados Unidos. A aproximação com os EUA gerou uma reação alemã, cuja marinha de guerra afundou vários navios, provocando mais mortes de brasileiros do que os combates propriamente ditos. A reação popular e de parte da opinião pública pressionou o governo a enviar tropas para combater os alemães, o que foi feito sem grande entusiasmo pelos líderes. Nessa medida, a FEB contribuiu para consolidar a mudança no cenário brasileiro, que passou por um câmbio de expectativas políticas e a sensação de que o país deveria integrar o campo das nações democráticas, o que colocava em xeque o contexto ditatorial vivido então pelo Brasil."
Na parte baixa do Monte Castelo, os soldados brasileiros tinham a missão de derrubar as tropas inimigas para permitir o avanço das forças aliadas. Mas a ofensiva tinha a complexa missão de dominar o adversário, que estava em posição bastante favorável. Tanto é assim que as primeiras tentativas de ataque fracassaram. Por três vezes, os brasileiros foram batidos por alemães. Assim, o objetivo de dominar a região antes do inverno não vingou.
Em um dos ataques, o então cabo João Batista Moreira acompanhava a infantaria, mas, num erro de comunicação, os disparos da artilharia, que vinham logo atrás, acertavam o soldados do mesmo exército. Ele então foi designado pelo comandante a avisar o problema aos soldados da artilharia. “Moreira, você vai morrer, mas vai salvar a companhia”, disse o comandante. Em velocidade, ele aproveitava os buracos no solo feitos pela bombas de 155 mm do exército alemão para esconder-se entre um avanço e outro. “Uma bomba não pode cair duas vezes no mesmo lugar”, diz ele hoje, aos 92 anos, com os resultados da bateria de exames necessários para visitar a Itália durante a comemoração de 70 anos do fim da guerra. Todo o esforço garantiu sobrevida aos militares da FEB.Apesar da valentia demonstrada em mais de uma ocasião, Moreira não pôde fazer muito ao ver de perto Frei Orlando ser morto com um tiro no peito depois de um disparo sem querer de um capitão brasileiro.
A partir de dezembro, além dos exércitos inimigos, os brasileiros tiveram que enfrentar um outro oponente tão letal quanto o armamento italiano e alemão. Aos 93 anos, o tenente reformado Geraldo Campos Taitson recorda-se de temperaturas muito abaixo de zero. Os termômetros marcaram até 18 graus negativos. Para isso, os pracinhas adotavam estratégias para resistir ao frio. À época soldado, ele lembra-se de, nas proximidades do Monte Castelo, ter ocupado uma casa abandonada por italianos e arrancado todas as portas internas. Depois disso, eles atearam fogo para aquecer os soldados brasileiros. Mas, com o rigor militar, o capitão exigiu que os pracinhas ressarcissem a família proprietária do imóvel pela destruição das portas e demais avarias.
EXEMPLO Os pracinhas cavavam buracos no solo para formar os chamados fox holes (tocas de raposa). Lá se enterravam a meio corpo por horas. Sob o risco de ocorrência do “pé de trincheira” (congelamentos de dedos e pés), soldados brasileiros passaram a usar uma galocha com feno em vez do coturno para facilitar a circulação. Dado o sucesso da inovação brasileira, soldados norte-americanos adotaram o mesmo para evitar a perda de membros. “Acostumados a bater enxada no Ceará, o nosso soldado foi para um frio de menos 10 graus”, afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (Anvfeb), Marcos Moretzsohn Renault Coelho. Outro exemplo para os Aliados foi o fato de brasileiros negros e brancos sentarem lado a lado para almoçar e fazer qualquer tipo de atividade, diz Renault. Segundo ele, isso serviu de exemplo para a tropa americana.
Em 21 de fevereiro, depois de mais de 10 horas de combate, os brasileiros conseguiram derrotar os adversários. Monte Castelo estava sob domínio das forças aliadas. “A tomada de Monte Castelo foi parte da ofensiva dos aliados para avançar sobre as posições alemãs na Itália, especificamente na região montanhosa dos Apeninos. A conquista brasileira deve ser vista em contexto mais amplo, já que a FEB era uma pequena unidade lutando ao lado de tropas aliadas muito mais numerosas”, afirma o professor do departamento de história da UFMG, Rodrigo Patto Sá Motta. E acrescenta: “Assim, a vitória brasileira — que foi alcançada após derrotas e mesmo o recuo de algumas tropas - contribuiu para um esforço mais amplo, que era o avanço conjunto das tropas aliadas naquele setor. Isso não significa reduzir a importância do feito, pois conquistar uma posição elevada defendida por tropas alemãs não era fácil”.
Em comemoração ao aniversário de 70 anos da tomada do Monte Castelo, veteranos da FEB se reúnem hoje na na Avenida Francisco Sales, a partir de 10 horas. Durante o evento, que terá desfile de tropas militares e exibição de veículos de guerra, o prefeito Marcio Lacerda deve ser homenageado com uma medalha de honra. O museu da entidade estará aberto para visitação.
Palavra de specialista
Rodrigo Patto Sá Motta, rofessor do departamento de história da UFMG
Mudança e cenário
"A formação da FEB e sua participação no teatro de guerra europeu foi decorrência da mudança de rumos políticos do governo de Getúlio Vargas, que abandonou uma posição simpática às potências fascistas por um alinhamento com os aliados. Político esperto e pragmático, Vargas entendeu que era difícil ficar em posição contrária aos Estados Unidos. A aproximação com os EUA gerou uma reação alemã, cuja marinha de guerra afundou vários navios, provocando mais mortes de brasileiros do que os combates propriamente ditos. A reação popular e de parte da opinião pública pressionou o governo a enviar tropas para combater os alemães, o que foi feito sem grande entusiasmo pelos líderes. Nessa medida, a FEB contribuiu para consolidar a mudança no cenário brasileiro, que passou por um câmbio de expectativas políticas e a sensação de que o país deveria integrar o campo das nações democráticas, o que colocava em xeque o contexto ditatorial vivido então pelo Brasil."