A demanda de Rio Acima, cidade de 10 mil habitantes, é de 19l/s, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA). O Córrego Mingu responde por 71% desse volume. O Córrego do Enforcado e um poço tubular fornecem os 29% restantes. Contudo, em nenhum desses afluentes do Rio das Velhas consta outorga concedida pelo Igam à Prefeitura de Rio Acima ou ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), encarregado de tratar e fornecer os recursos hídricos para a população.
A falta de controle das outorgas se repete em empreendimentos e consumidores particulares. Por telefone, uma das empresas de perfuração de poços mais atuantes na região informou que vem cavando até 10 poços por semana, com média de vazão de 0.5l/s. A cada semana, apenas essa companhia abre, sem licença, mais do que o Igam outorgou ao município nos últimos 5 anos. “A gente sabe que tem muita burocracia e que demora demais para as pessoas conseguirem o licenciamento do poço. Por isso, a gente adianta a obra, procura onde tem água no terreno e a pessoa depois tenta se regularizar”, admitiu um dos vendedores da empresa de perfuração.
“Sem o controle do volume de água que é retirado, o estado não consegue reunir informações preciosas para o planejamento hídrico. Isso contribui e muito com a crise de abastecimento e a redução do volume dos rios. A água subterrânea também abastece os rios”, alerta o biólogo e consultor em recursos hídricos Rafael Resck.
Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Ouro Preto – A lentidão no atendimento e no trabalho de fiscalização do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) tem incentivado, na avaliação de especialistas e consumidores, a ação de captação ilegal de água e prejudicado empreendimentos que fazem uso correto dos recursos hídricos. Só na bacia dos rios Paraopeba, Pará e das Velhas, entre os grandes consumidores, a reportagem encontrou pedidos de renovação de outorgas datadas de 2012 e que ainda se encontram sob avaliação dos técnicos estaduais. O próprio instituto considera que o tempo razoável para a concessão ou renovação de uma outorga seja de 6 meses a um ano. Essa demora favorece a ação de quem capta água sem licença e impede que empreendimentos declarem exatamente quanto consomem, alertam ambientalistas e especialistas.
No rastro das outorgas vencidas e sem renovação, o Estado de Minas encontrou uma empresa de ônibus de turismo em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, nesta situação. A cidade está na cabeceira da Bacia do Rio Paraopeba, responsável pelo abastecimento de 30% dos consumidores de Belo Horizonte.
AUTORIZAÇÃO DEMORADA Se por um lado, a fiscalização não encontra os desvios e empreendimentos irregulares, por outro, a demora demasiada na concessão das outorgas é incentivo e atrapalha os negócios de algumas empresas. Em Ouro Preto, município onde nasce o Rio das Velhas, a pedreira Irmãos Machado aguarda desde 2012 que sua outorga seja renovada. Como deu entrada na regularização dos documentos dentro do prazo, a extração de pedras no distrito de Amarantina pode continuar a retirar quase 5l/s do Rio Maracujá, afluente do Rio das Velhas, mas chegou a ter problemas para provar aos clientes que sua outorga estava em dia. “Enquanto o Igam não nos forneceu um ofício, muitos clientes chegaram a questionar nossas licenças e ameaçaram não fazer negócio conosco. O Igam está falido. Em novembro, estive lá para fazer outros pedidos e só havia um funcionário para cuidar das outorgas.
Mesma situação foi apurada na empresa de tecelagem Santanense, em Itaúna, no Centro-Oeste de Minas. A falta de emissão da renovação da outorga, requisitada em 2012, dentro do prazo, levou moradores a questionar o fechamento de comportas do Córrego dos Lopes, que alimenta a fábrica. Com menos água correndo, os esgotos domésticos se concentraram, trazendo mau cheiro para a vizinhança. O Posto Trevão, em Conselheiro Lafaiete, e o Posto Alicate, em Congonhas, ambos com poços tubulares que captam água na bacia do Rio Paraopeba, também reclamam que a demora na emissão das outorgas traz incômodos com fiscais e clientes. “Se a outorga demora demais, isso se torna um incentivo para que os empreendimentos façam captações ilegais. Ocorre, também, de outorgados em renovação pedirem aumento de captação. Enquanto a outorga nova não sai, esse volume extra não é contabilizado e o estado, mais uma vez, fica sem saber qual a real situação de seus recursos hídricos”, afirma o biólogo e especialista em recursos hídricos Rafael Resck.
Bacias cada vez mais pressionadas
A análise das 8.797 outorgas concedidas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) desde 2010 mostra que as bacias mineiras têm sofrido grande pressão e tido suas características naturais alteradas. Só desvios de cursos d’água, que são autorizações para que um rio tenha seu traçado original alterado para atender a interesses comerciais foram 49. Pontes e estradas também precisam dessas licenças para modificar o traçado dos cursos d’água e por esse motivo foram emitidas 1.062 outorgas. “Isso tudo mostra um descontrole sobre as emissões de licenças. São situações que deveriam ser revistas. Como isso não ocorre, a natureza paga o preço”, opina o ambientalista Apolo Hering Lisboa, idealizador do Projeto Manuelzão de revitalização do Rio das Velhas.
Para Lisboa, as piores pressões são feitas por grandes consumidores como mineradoras e o agronegócio. Só nos últimos cinco anos foram liberadas 134 licenças para rebaixamento de lençol freático em Minas Gerais. Mas o consumo diretamente em nascentes também foi alto, fechando em 301 outorgas. “É uma situação que vai além do problema de desabastecimento. Em pouco tempo, esse uso vai prejudicar a vida dos peixes e a produção de alimentos. Não vão bastar essas obras emergenciais, como os barramentos propostos pela Copasa. Isso pode degradar mais o meio ambiente”, avalia o professor Marcus Vinícius Polignano.
Até o desabastecimento começa a aparecer nas contas dos registros de outorgas regulares. Dentro do universo de 2.267 processos indeferidos por inexatidão de dados, processamento inadequado e outras questões burocráticas, 215 se deram por indisponibilidade hídrica do manancial requerido..