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Estado de Minas

Retirada irregular de água da Bacia do Rio das Velhas, na Grande BH, aumenta crise hídrica

Lentidão de fiscalização do Igam tem incentivado, na avaliação de especialistas e consumidores, a ação de captação ilegal de água


postado em 22/02/2015 06:00 / atualizado em 23/02/2015 11:03

O grande volume de água retirado dos rios antes da captação para abastecimento humano agrava a crise hídrica que a Região Metropolitana de Belo Horizonte enfrenta e que chegou a reduzir a vazão do Rio das Velhas em 10 vezes, passando de uma média de 80m3/s para 7,7m3/s, antes do ponto de captação de tratamento, em Nova Lima, segundo a Copasa. Só as outorgas legais para mineração, irrigação, indústria e abastecimento tiram, desde 2010, 2.345,69 litros por segundo (l/s) do rio, segundo levantamento feito pelo Estado de Minas em 500 documentos com as portarias de concessão de uso de água do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) em Ouro Preto, Itabirito, Rio Acima e Nova Lima. O volume corresponde a 40% dos 5.824 l/s outorgados à Copasa – suficientes para abastecer 650 mil pessoas – e mostra distorções que indicam captações sem licença. Caso da cidade de Rio Acima, que oficialmente consome apenas 4l/s, mas pelo menos 10 empresas de perfuração de poços artesianos da região afirmam abrir média de seis poços por semana. Até a prefeitura capta água sem outorga do Igam.


A demanda de Rio Acima, cidade de 10 mil habitantes, é de 19l/s, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA). O Córrego Mingu responde por 71% desse volume. O Córrego do Enforcado e um poço tubular fornecem os 29% restantes. Contudo, em nenhum desses afluentes do Rio das Velhas consta outorga concedida pelo Igam à Prefeitura de Rio Acima ou ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), encarregado de tratar e fornecer os recursos hídricos para a população. O secretário de Obras do município, Francisco Júnior, não soube responder por que a cidade retira água sem o consentimento do Igam. O instituto estadual informou que “não constam no Sistema Integrado de Informação Ambiental (Siam) registros em nome do Saae, Prefeitura de Rio Acima ou de outro usuário do Córrego Mingu além do Condomínio Canto das Águas.


A falta de controle das outorgas se repete em empreendimentos e consumidores particulares. Por telefone, uma das empresas de perfuração de poços mais atuantes na região informou que vem cavando até 10 poços por semana, com média de vazão de 0.5l/s. A cada semana, apenas essa companhia abre, sem licença, mais do que o Igam outorgou ao município nos últimos 5 anos. “A gente sabe que tem muita burocracia e que demora demais para as pessoas conseguirem o licenciamento do poço. Por isso, a gente adianta a obra, procura onde tem água no terreno e a pessoa depois tenta se regularizar”, admitiu um dos vendedores da empresa de perfuração.


 “Sem o controle do volume de água que é retirado, o estado não consegue reunir informações preciosas para o planejamento hídrico. Isso contribui e muito com a crise de abastecimento e a redução do volume dos rios. A água subterrânea também abastece os rios”, alerta o biólogo e consultor em recursos hídricos Rafael Resck.

Lentidão gera atrasos e incentiva a ilegalidade

Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Ouro Preto – A lentidão no atendimento e no trabalho de fiscalização do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) tem incentivado, na avaliação de especialistas e consumidores, a ação de captação ilegal de água e prejudicado empreendimentos que fazem uso correto dos recursos hídricos. Só na bacia dos rios Paraopeba, Pará e das Velhas, entre os grandes consumidores, a reportagem encontrou pedidos de renovação de outorgas datadas de 2012 e que ainda se encontram sob avaliação dos técnicos estaduais. O próprio instituto considera que o tempo razoável para a concessão ou renovação de uma outorga seja de 6 meses a um ano. Essa demora favorece a ação de quem capta água sem licença e impede que empreendimentos declarem exatamente quanto consomem, alertam ambientalistas e especialistas.

No rastro das outorgas vencidas e sem renovação, o Estado de Minas encontrou uma empresa de ônibus de turismo em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, nesta situação. A cidade está na cabeceira da Bacia do Rio Paraopeba, responsável pelo abastecimento de 30% dos consumidores de Belo Horizonte. Numa delas, a Comércio Lubrificantes, Peças LTDA, a outorga chegou a existir até 2009, mas foi extinta por falta de renovação. Segundo o Igam, não constam nos sistemas renovações ou novos pedidos feitos por aquele CNPJ, nome ou sequer pelas coordenadas geográficas que localizam o ponto de captação. No entanto, a garagem da empresa continua a usar a água do subsolo para todas as finalidades, inclusive limpar a frota em um lava a jato automático. Pela outorga vencida eram 2,2 l/s usados para “lavagem de veículos e consumo humano” com tempo de captação de 7 horas e 30 minutos por dia, 12 meses por ano, num prazo de cinco anos. A reportagem procurou insistentemente a empresa, mas nenhum representante foi designado para falar sobre o assunto.

AUTORIZAÇÃO DEMORADA Se por um lado, a fiscalização não encontra os desvios e empreendimentos irregulares, por outro, a demora demasiada na concessão das outorgas é incentivo e atrapalha os negócios de algumas empresas. Em Ouro Preto, município onde nasce o Rio das Velhas, a pedreira Irmãos Machado aguarda desde 2012 que sua outorga seja renovada. Como deu entrada na regularização dos documentos dentro do prazo, a extração de pedras no distrito de Amarantina pode continuar a retirar quase 5l/s do Rio Maracujá, afluente do Rio das Velhas, mas chegou a ter problemas para provar aos clientes que sua outorga estava em dia. “Enquanto o Igam não nos forneceu um ofício, muitos clientes chegaram a questionar nossas licenças e ameaçaram não fazer negócio conosco. O Igam está falido. Em novembro, estive lá para fazer outros pedidos e só havia um funcionário para cuidar das outorgas. Fiquei sabendo, agora, que esse funcionário passou num concurso e foi embora”, conta a coordenadora de meio ambiente da pedreira, Ivana Oliveira. Ainda de acordo com ela, na área de licenciamento já corre a informação que o Igam começou a analisar as outorgas de 2012 somente neste ano.

Mesma situação foi apurada na empresa de tecelagem Santanense, em Itaúna, no Centro-Oeste de Minas. A falta de emissão da renovação da outorga, requisitada em 2012, dentro do prazo, levou moradores a questionar o fechamento de comportas do Córrego dos Lopes, que alimenta a fábrica. Com menos água correndo, os esgotos domésticos se concentraram, trazendo mau cheiro para a vizinhança. O Posto Trevão, em Conselheiro Lafaiete, e o Posto Alicate, em Congonhas, ambos com poços tubulares que captam água na bacia do Rio Paraopeba, também reclamam que a demora na emissão das outorgas traz incômodos com fiscais e clientes. “Se a outorga demora demais, isso se torna um incentivo para que os empreendimentos façam captações ilegais. Ocorre, também, de outorgados em renovação pedirem aumento de captação. Enquanto a outorga nova não sai, esse volume extra não é contabilizado e o estado, mais uma vez, fica sem saber qual a real situação de seus recursos hídricos”, afirma o biólogo e especialista em recursos hídricos Rafael Resck.

Bacias cada vez mais pressionadas

A análise das 8.797 outorgas concedidas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) desde 2010 mostra que as bacias mineiras têm sofrido grande pressão e tido suas características naturais alteradas. Só desvios de cursos d’água, que são autorizações para que um rio tenha seu traçado original alterado para atender a interesses comerciais foram 49. Pontes e estradas também precisam dessas licenças para modificar o traçado dos cursos d’água e por esse motivo foram emitidas 1.062 outorgas. “Isso tudo mostra um descontrole sobre as emissões de licenças. São situações que deveriam ser revistas. Como isso não ocorre, a natureza paga o preço”, opina o ambientalista Apolo Hering Lisboa, idealizador do Projeto Manuelzão de revitalização do Rio das Velhas.

Para Lisboa, as piores pressões são feitas por grandes consumidores como mineradoras e o agronegócio. Só nos últimos cinco anos foram liberadas 134 licenças para rebaixamento de lençol freático em Minas Gerais. Mas o consumo diretamente em nascentes também foi alto, fechando em 301 outorgas. “É uma situação que vai além do problema de desabastecimento. Em pouco tempo, esse uso vai prejudicar a vida dos peixes e a produção de alimentos. Não vão bastar essas obras emergenciais, como os barramentos propostos pela Copasa. Isso pode degradar mais o meio ambiente”, avalia o professor Marcus Vinícius Polignano.

Até o desabastecimento começa a aparecer nas contas dos registros de outorgas regulares. Dentro do universo de 2.267 processos indeferidos por inexatidão de dados, processamento inadequado e outras questões burocráticas, 215 se deram por indisponibilidade hídrica do manancial requerido.


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