A companhia de saneamento também vê com ressalvas esse movimento pelo armazenamento e teme comprometimento da meta de economia de 30% nos próximos três meses. Professor associado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Motta Pinto Coelho diz que uma indicação de que as pessoas realmente começaram a estocar é a falta de bombonas no mercado. Ele cobra orientação mais refinada dos gestores de água do estado sobre essa questão. “Não se deve estimular a estocagem de água fora das especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”, afirma.
Coelho alerta ainda que 90% da água de chuva em BH é de má qualidade, o que exige atenção de quem está captando sem se preocupar com tratamento. Além do ar poluído com óxido de enxofre, outro problema são pombos e pássaros que ficam nas calhas dos telhados, podendo contaminar a água com coliformes fecais e transmitir doenças. “As pessoas devem se preocupar com a diminuição do consumo, não em estocar. Em vez de estímulo ao uso de equipamentos inteligentes, como torneiras que reduzem o gasto enormemente, vejo soluções da Idade Média”, critica.
O professor cobra medidas de estímulo ao uso dessas tecnologias e também uma espécie de financiamento do poder municipal para a a instalação de hidrômetros individuais em condomínios. O biólogo teme ainda outras consequências e compara o alarme da crise hídrica com a de alimentos na Flórida, nos Estados Unidos, quando da passagem de furacões: as pessoas correm para o supermercado para estocar comida e ela acaba. “Imaginem se todos estocarem água no apartamento? Estabelece-se o caos antes de ter o caos. Captar água da chuva pode ser interessante, se feito com segurança, mas podemos reduzir nosso consumo enormemente também. Temos que usar mais inteligência nesse processo, pois imagino que só louco não esteja tomando banho mais rápido ou cuidando de vazamento”, diz. “É preciso mais do que isso. Redução de consumo pode ser tão eficiente quanto estocagem, senão for mais”, ressalta.
Morador do Bairro Bandeirantes, na Pampulha, o economista Afrânio Alves de Andrade, de 72 anos, conta que adota bem antes da crise hídrica, há pelo menos 10 anos, a piscina como reservatório de captação de água de chuva. De novembro a março, época normal das precipitações, ele mantém um volume de mais de 20 mil litros de água, que serve para lavar a casa, irrigar as plantas e também para nadar ou tomar banho, seguindo padrões de controle.
REÚSO EFICIENTE
Coordenadora do curso de engenharia ambiental do Centro Universitário Newton Paiva, Érika Fabri, reforça que a estocagem de água, seja de reuso ou de chuva, deve ser associada à finalidade dela e não deve ser feita por muitos dias. Deve ser usada para fins menos nobres, como lavar quintal, limpar cômodos da casa ou jogar no vaso sanitário e, mesmo assim, exige recipientes lacrados evitar risco de proliferação de bactérias. A situação muda se usada para higiene pessoal ou de vasilhames e roupas. “No caso da chuva, não sabemos o que há de contaminantes”, diz.
Érika ressalta que a estocagem só é indicada nos casos de corte de fornecimento. “Guardar água da Copasa para cozinhar e tomar um banho, por exemplo, é aceitável, pois pode-se armazená-la de um dia para outro”, afirma. O problema maior, segundo a professora, é se isso ocorre por muitos dias, pois ela está guardada num recipiente que pode ter toxinas e micropartículas.