Jornal Estado de Minas

Filtro verde é promessa da vez na tentativa de despoluir a Lagoa da Pampulha

Usando biotecnologia, projeto de R$ 6 mi, o oitavo em 20 anos, é nova aposta para ajudar na despoluição do cartão-postal de BH

Guilherme Paranaiba

Córrego Água Funda, um dos que desaguam na represa, terá estação-piloto - Foto: Beto Novaes/EM/D.a press

Na tentativa de reduzir a poluição que tornou a Lagoa da Pampulha um enorme depósito de sujeira, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou nessa quarta-feira mais uma investida com a esperança de frear a chegada de esgoto ao principal cartão-postal da cidade. A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) tem um projeto para fazer o tratamento do Córrego Água Funda/Bom Jesus, um dos oito mananciais que despejam esgoto todos os dias no reservatório. É o oitavo procedimento, desta vez avaliado em R$ 6 milhões, adotado pela administração municipal nos últimos 20 anos para tentar melhorar a qualidade da água. Agora, a ideia é usar plantas que retêm matéria orgânica, sem interferência de produtos químicos. A meta é reduzir o aporte de sedimentos e estender o projeto a outros mananciais que carregam detritos, principalmente de Contagem, na Grande BH, para a Pampulha. Porém, a novidade não significa água limpa em um horizonte próximo. A última promessa era entregar a represa apta a receber esportes náuticos durante a Copa do Mundo, mas desapropriações necessárias para obras da Copasa de interceptação de esgoto estão paradas na Justiça e as autoridades não arriscam fixar nova data para ver o problema resolvido.

“A Copasa aparentemente não dá conta de segurar toda essa poluição difusa, inclusive esgoto clandestino. Ficará mais barato ao longo do tempo investir nesse tratamento de córrego do que ficar desassoreando a lagoa ou fazendo tratamento de limpeza da água da lagoa”, disse ontem o prefeito da capital, Marcio Lacerda.
O chefe do Executivo municipal afirma que a estratégia foi pesquisada por técnicos da Fundação Zoobotânica, que visitaram outros países com a intenção de conhecer o sistema. Segundo a Sudecap, a tecnologia de “jardins filtrantes” consistirá em desviar o curso do córrego para uma estação natural de tratamento. “Essa unidade seria responsável por reduzir a carga poluidora durante a estiagem. No período das cheias, a vazão excedente continuará a escoar pelo leito natural do córrego”, informou a superintendência, em nota.

Ainda não foi definido qual será o tipo de planta usada nesse processo, segundo fontes da Sudecap. O projeto depende de detalhamentos, mas já é certo que a estação terá um canal de desvio do curso d’água, gradeamento para barrar resíduos de grande porte e tanques com as plantas, nos quais vai ocorrer a deposição do material orgânico vindo do esgoto. “Adicionalmente, a prefeitura está desenvolvendo estudos para instalação de gradeamento para retenção de sólidos grosseiros (garrafas e sacolas plásticas) nos demais afluentes da Pampulha”, acrescenta a Sudecap. A lagoa é abastecida pelos córregos Mergulhão, Tijuco, Ressaca, Sarandi, Água Funda, Braúnas, Olhos D’água e AABB.

O professor Ricardo Motta Pinto Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG, diz que essa tecnologia surgiu na década de 1970 e é bastante conhecida. É comum em países mais populosos da Ásia, como a Índia, mas o especialista lembra que já houve casos no Brasil em que as plantas foram jogadas na água de qualquer forma e ficaram fora de controle. “A própria chegada dos aguapés à Pampulha veio a reboque dessa tecnologia. O problema é que, se não houver controle, pode haver problemas, como o aumento de mosquitos, e geração de mais poluição do que antes”, afirma o especialista. Ele lembra que é mais indicado usar as plantas nos afluentes do que na lagoa, para evitar esse descontrole. “É importante manter todo um manejo, pois as plantas retiram poluentes da água e os acumulam em sua biomassa. É preciso acondicioná-las da forma correta em aterros sanitários.
Já vi exemplos modernos em que essas plantas ficam em barragens cobertas e podem até virar compostagem para adubação de praças e jardins”, explica o professor.

- Foto: Arte EM

CAPTAÇÃO DE ESGOTO
Um dos problemas para a entrada de esgoto na Lagoa da Pampulha é a situação das obras para a construção de quatro quilômetros de redes interceptoras, de responsabilidade da Copasa, em áreas de Contagem. Segundo o gestor da despoluição pela empresa de saneamento, Valter Vilela, oito processos ainda sem decisão judicial travam a desapropriação de 17 imóveis da cidade vizinha, por onde os canos precisam passar. “Somente com a conclusão dessas obras teremos condição de interceptar todo o esgoto que é lançado nos córregos da bacia”, afirma Vilela. Outro problema é a presença de 6 mil imóveis em Contagem e 800 em BH que já têm rede de esgoto disponível na rua, mas ainda não fizeram a ligação. “A Copasa está trabalhando com as prefeituras de BH e de Contagem para sensibilizar essas pessoas. Esperamos que até setembro esse número seja reduzido”, completa. Atualmente, 22 milhões de litros de esgoto chegam todos os dias à estação de tratamento do Onça, considerado apenas o material proveniente de Contagem que ia para a lagoa.

Enquanto a situação não se resolve, moradores da Pampulha contabilizam as várias tentativas de limpeza e criticam a falta de continuidade dos projetos e os altos custos dos processos. A diretora da Associação Pró-Civitas, Cacilda Bonfante, que representa os bairros São Luiz e São José, vive há 40 anos na região e se preocupa com os gastos excessivos, ao longo dos anos, para uma despoluição que nunca foi efetiva. “Quando é que as autoridades vão cumprir suas promessas?”, questiona. Também há quatro décadas acompanhando a situação da lagoa, o presidente da Associação Comunitária do Bairro Bandeirantes, Afrânio Alves de Andrade, diz que muitas atividades significam “jogar sal no oceano”, sem resultados ou efeitos.
“É preciso haver entendimento político entre as prefeituras de Belo Horizonte e Contagem para resolver os problemas de poluição dos córregos e dos esgotos”, afirma. (Com Gustavo Werneck).

Décadas de falhas

Confira as tentativas fracassadas de limpar a lagoa

Aguapés 1

Em meados da década de 1970 a lagoa foi invadida pelos aguapés. Segundo moradores mais antigos, a planta foi introduzida para tentar “limpar” o reservatório, que recebia grande quantidade de esgoto

Aguapés 2

Tentativa de solução, os aguapés viraram novo problema. Na década de 1990 começam as ações para retirar as plantas, que se tornaram problema crônico e cobriam grande parte do espelho d’água

Barco

No início de 2000, com a queda da oxigenação na água, foram usados barcos de forma emergencial, com algum efeito positivo. Ao girar, a hélice da embarcação misturava ar e água, permitindo introdução do oxigênio

Redes coletoras

Também no ano de 2000, a Copasa dá início à construção das redes coletoras de esgoto e interceptação das ligações clandestinas. Trata-se de um novo tempo na trajetória do reservatório

Floatflux

Em 2004, a um sistema chamado floatflux entra em operação nos córregos Ressaca e Sarandi, para retirar 80% de matéria orgânica e 90% de fósforo – nutriente que propicia o crescimento de algas

Dragagem

Em 2013/2014 é feita dragagem para retirar sedimentos da lagoa. No total, foram 800 mil metros cúbicos de material

Recuperação da qualidade da água


A licitação dos Serviços de Recuperação da Qualidade da Água da Lagoa da Pampulha foi suspensa por decisão da Prefeitura de BH, até que estejam integralmente implementadas as ações de coleta e interceptação de esgotos na Bacia da Pampulha, que estão sendo realizadas pela Copasa

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