A falta de pagamento de pensão alimentícia está gerando outro grave problema, além de deixar filhos desamparados. O já combalido sistema penitenciário de Minas Gerais está cada vez mais sobrecarregado pelo aumento significativo das prisões decorrentes da inadimplência no pagamento do benefício, que já chegam a quase um sexto de todas as detenções no estado em janeiro. Foram 1.885, incluindo 307 (16%) por ausência de quitação do benefício, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social. E a situação fica ainda pior se se considerar que esse total só perde para as prisões em flagrante ou preventivas, já que supera o número de detenções por condenações pela Justiça, que foram 306. Levantamento da secretaria indica ainda que, em todo o ano passado, a falta de pagamento de pensões levou para a cadeia 4.927 pessoas, enquanto outras 4.678 deram entrada no mesmo período via sentença condenatória. O total de detenções no estado foi de 106.859, sendo que 94,1 mil foram encaminhadas aos presídios em flagrante e por mandado de prisão preventiva. Somente as detenções por inadimplência foram responsáveis por quase 5% do total no ano passado.
O grande número de presos por inadimplência no pagamento da pensão alimentícia gera problemas para a administração dos presídios no estado, porque o devedor tem de enfrentar a “lei da cadeia”, que o considera um desrespeitador da família, ou seja, merecedor do mesmo tratamento dispensado a estupradores, que precisam ser isolados.
Para tentar minimizar o problema, segundo a Secretaria de Defesa Social, a administração das penitenciárias está destinando celas separadas apenas para quem deve pensão. Conforme a lei, o inadimplente não pode ficar preso por mais de 90 dias e, mesmo que permaneça devendo, não pode ter prisão decretada novamente. No entanto, se quitar o débito será libertado.
Para o promotor Luiz Antônio Fonseca, coordenador da Promotoria de Defesa da Família, a possibilidade de prisão do devedor é uma medida eficaz, já que a grande maioria quita seus débitos para se ver longe da privação de liberdade. Fonseca diz ainda que não vê um aumento expressivo, uma vez que os dados revelam que de cada 100 prisões decretadas, apenas três ou quatro vão ser efetivadas.
O calote na pensão criou uma dura realidade para a artesã A.F.C, de 38 anos, que precisou se virar para cuidar dos dois filhos, hoje adolescentes, sem a colaboração do ex-companheiro. Um mandado de prisão por inadimplência contra o ex-marido dela foi expedido há quase sete anos, mas permanece esquecido nos labirintos da burocracia da Justiça. Taxista, o ex-companheiro se separou da mulher e dos filhos, que nunca mais viu, de acordo com a artesã.
O pagamento de um salário mínimo para alimentos, conforme decisão judicial, foi feito corretamente apenas por seis meses depois da separação. Desde então, por decisão pessoal, o taxista deposita apenas R$ 300 para os filhos, que vivem na casa dos avós, no Bairro Barreiro de Baixo, em companhia da mãe. Apesar da longa espera, A. ainda almeja receber o que os filhos têm direito. “Tenho esperança na Justiça. Tudo que se faz tem retorno e a Justiça vai olhar por nós”, acredita, sem disfarçar a vontade de oferecer mais conforto aos filhos. E desabafa: ele se separou de mim e não dos filhos, e, se não fossem meus pais, não teria conseguido tocar a vida”, conta.
A dificuldade para fazer justiça faz com que a advogada Rosa Werneck, que defende os interesses de A., acredite que a prisão dos devedores não é garantia de pagamento. “A prisão não inibe mais a inadimplência, tanto que, de fato, é alto o número de detenções, mas a morosidade da Justiça é outro entrave”, afirma Rosa. Ela faz questão de frisar que o ex-marido de A. tem trabalho fixo e domicílio e, durante todos esses anos nunca foi encontrado pela Justiça.
A mesma avaliação tem o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto de Defesa do Direito da Família (IBDFAM), que se surpreendeu com as 4,9 mil prisões de devedores em Minas. Para ele, a não quitação da pensão, na maioria dos casos, independe de se ter ou não recursos para o pagamento, mas do amor e ódio que permeou a separação do casal. “O aumento pode ser explicado por uma maior rigidez na aplicação da lei pela Justiça. No entanto, fora a prisão, a cobrança de pensões só pode ser feita por meio de penhora de bens, o que é mais demorado”, explica.