Os carros espremidos nas pistas de avenidas congestionadas pareciam um desafio à perícia do motorista de ônibus da Linha 64 (Estação Venda Nova/Assembleia). Com golpes de direção para os dois lados, pé fundo no acelerador e freadas bruscas que exigiam firmeza das mãos e pés dos passageiros, o condutor ignorava os protestos dos usuário do BRT/Move até parar em um dos pontos da Avenida Afonso Pena. A parada, no entanto, serviu apenas para que o cobrador descesse correndo para buscar um lanche para o companheiro, ficando mais de um minuto e meio na fila da lanchonete. Dois passageiros que embarcaram estranharam a ausência do funcionário na roleta, passaram seus cartões e entraram. O cobrador retornou e o motorista voltou a circular com o veículo, desta vez mais lento. Mas não por prudência. É que, enquanto dirigia, ele resolvia problemas ao celular, gesticulava com seu interlocutor sem qualquer cerimônia. A atitude inadequada, que expõe passageiros a perigos e a desconforto, é uma herança do sistema BHBus que o BRT/Move ainda preserva em seu primeiro ano de atividade.
Mesmo percebendo que era filmado e fotografado, o motorista da Linha 64 continuou com a imprudência até chegar à Praça da Liberdade.
A direção irresponsável não foi a única falha de operação que o sistema BRT/Move apresentou em dois dias de percurso acompanhado pela reportagem do EM por suas estações. Na Estação Cristiano Guimarães, a última do corredor Dom Pedro I, uma mulher com um bebê no colo esperava o ônibus da Linha 67 (Estação Vilarinho/Santo Agostinho). O veículo chegou, mas o motorista parou com a porta do ônibus aberta para a parte de vidro que não tem acesso na estação.
DEFEITO Em três oportunidades, a viagem no BRT/Move se tornou uma experiência desagradável. Não apenas pela lotação dos carros, mas por defeitos no ar-condicionado. Como esses veículos não são dotados de janelas, o calor fez muita gente suar até molhar a roupa. Incomodado com a temperatura no interior do ônibus da Linha 63 (Estação Venda Nova/Lagoinha), o eletricista Reginaldo dos Santos, 47 anos, tentava, em vão, mexer nos dutos de climatização para se refrescar.
A direção dos carros articulados de até 18 metros de comprimento também desafia os motoristas na hora da paradas nos terminais. Em muitas das mais de 20 viagens feitas pela reportagem apenas no corredor Cristiano Machado, foram inúmeras as situações em que o motorista conseguiu manter a exigência de até 13 centímetros de vão entre o coletivo e a plataforma só na parte dianteira do veículo. Nas portas da parte de trás o espaço ultrapassou o limite em praticamente todos os trajetos. “Com um vão tão grande, fica perigoso para o passageiro. No caso de idosos, a chance de acidentes é ainda maior”, afirma a doméstica Sandra Ferreira Soares, de 38, que pondera ainda sobre a velocidade dos coletivos em áreas de grande movimento. “No Centro, tem muita gente circulando e eles passam muito rápido”, diz a mulher, destacando o risco de atropelamentos.
É proibida a circulação sem ar-condicionado
O tráfego de veículos do BRT/Move sem o funcionamento da climatização é proibido, de acordo com orientação do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH). “Veículos do Move com defeito no ar- condicionado devem ser retirados de circulação, para a devida manutenção, tão logo seja constatado o defeito”, diz a recomendação. Quanto à conduta do motorista e do cobrador, a entidade afirmou: “Todos os motoristas e cobradores do sistema de transporte por ônibus de Belo Horizonte passam por treinamento e os responsáveis pela condução dos ônibus Move recebem treinamento complementar exigido pelo equipamento que operam”.
O Setra-BH informou ainda que é dever do motorista observar as regras estabelecidas para a operação dos veículos e atendimento dos usuários: “Todas as denúncias de comportamento inapropriado são apuradas e, na sua comprovação, os autores de atos inadequados são responsabilizados na forma estabelecida pelos instrumentos legais vigentes.
A BHTrans informou que o BRT/Move circula com veículos confortáveis, maior capacidade e facilidade de acesso, com rapidez nos deslocamentos e a redução nos tempos de viagem, “reduzidos em quase pela metade”. A empresa informou que, com a integração das linhas, os usuários têm acesso a uma rede mais ampla de atendimento e com possibilidade de economia ao utilizar ônibus alimentadores até a estação e troncais pelos corredores pelos mesmos preços da tarifa convencional. A BHTrans, contudo, não designou um representante para falar sobre os problemas Move identificados pela reportagem. A empresa considera que a operação completa um ano no segundo semestre deste ano.
Segurança em estação fechada
A segurança de embarcar em estações fechadas, com pagamento antecipado, também mudou a rotina para quem anda no Move. A vantagem é destaque nas viagens do estoquista Renan Henriques Campos Domingos, de 20, que usa o sistema diariamente para trabalhar. “Antes, tinha de descer em cada ponto abandonado no meio dos corredores ou nos bairros. Só de estar dentro de uma estação já dá uma segurança melhor, porque temos as câmeras filmando tudo do lado de dentro e de fora. As estações (de integração) são mais movimentadas e dão ainda mais segurança em relação aos pontos antigos, mal iluminados, no meio da rua. A viagem também ficou mais rápida”, conta.
Nos trajetos do estoquista, no entanto, há percalços. Ele diz que, no geral, a espera pelos ônibus nos terminais ainda é grande, pois os intervalos entre as viagens são longos. “Acho que deveria ter mais ônibus, porque às vezes você espera tanto que a viagem rápida não compensa”, diz Renan, que diariamente usa vários ônibus para fazer entregas dos bairros para o Centro.
Já a analista de sistemas de inteligência Débora Marinho do Carmo, de 24, elogia o conforto. “O passageiro ganhou muito em conforto e em tempo. No meu caso, por exemplo, gastava mais de duas horas para ir da minha casa, no Bairro Heliópolis, à casa da minha mãe, no Palmeiras. Pegava ônibus, metrô e uma linha suplementar. Agora, vou até a estação em uma linha alimentadora e pego o ônibus de um itinerário que foi criado por causa do Move. A viagem não chega a uma hora e meia. Sei que não é a melhor obra do transporte público, mas não tenho o que reclamar do sistema”,afirmou.
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