Jornal Estado de Minas

Blitz começa a identificar consumidores que captam água sem autorização em Minas

Primeiras investidas da Secretaria de Meio Ambiente já identificaram mais de 30 ralos que agravam a crise hídrica

Mateus Parreiras

Fiscais encontraram bombas de alta capacidade funcionando sem aval de autoridades e sistemas de irrigação ineficientes, que desperdiçam boa parte da água bruta retirada de bacias da Grande BH - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press


Em meio à crise hídrica que assola o estado e mantém 125 municípios mineiros em situação de emergência em plena estação chuvosa, a captação de água sem outorga ou acima do volume permitido por mineradoras, agricultores e outros empreendimentos se tornou alvo principal da fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) em Minas Gerais. Dez dias depois de reportagem do Estado de Minas mostrar que empresas e até prefeituras – como a de Rio Acima, na região metropolitana da capital – captam água em mananciais que abastecem a Grande BH sem licenciamento ou com outorgas vencidas, a secretaria desencadeou blitz nessas bacias e já detectou 29 irregularidades no complexo hídrico do Rio Manso e quatro no entorno do Córrego Serra Azul, ambos integrantes do Sistema Paraopeba.

Os trabalhos devem durar o mês inteiro e checar 170 alvos nessas bacias. Os municípios de Barbacena, no Campo das Vertentes, e Corinto, na Região Central do estado, foram os primeiros a receber a fiscalização. As principais irregularidades encontradas por enquanto são a falta de certidão de uso insignificante (documento que permite uso abaixo de 1 litro por segundo), inexistência de outorga e descumprimento de condicionante para uso de recursos hídricos (frequência e volume de retirada acima do permitido). A definição das áreas a serem fiscalizadas levou em consideração as outorgas emitidas para todo o estado e demandas do Ministério Público, das concessionárias de abastecimento municipais e denúncias da população.

Nessa quarta-feira, o EM acompanhou os fiscais da Semad no município de Igarapé, a 42 quilômetros de Belo Horizonte, na região metropolitana. Duas equipes percorreram sobretudo propriedades rurais que captam água dos córregos Estiva e do Diogo, contribuintes do Sistema Serra Azul, o reservatório mais fragilizado da Grande BH, atualmente com apenas 9,2% de seu volume captável. As bacias foram divididas em oito setores e todos serão fiscalizados.
Como nem todos os empreendimentos têm autorização oficial para captação, foi necessário fazer levantamentos em campo, usando fotos de satélite e até imagens obtidas por drones para encontrar captações clandestinas nas curva de cursos d’água ou escondidas em matas.

Primeiras investidas da fiscalização já identificaram mais de 30 ralos que agravam a crise hídrica - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press
Chegar a esses pontos de captação não é fácil. “Não basta seguir as tubulações que levam água do rio para as plantações, porque muitas delas ficam enterradas e passam sob matagais. Nem sempre os proprietários colaboram, mas dificultar nossa ação torna as multas mais severas”, afirma o fiscal Ronaldo Andrade Zauli. Em uma área de plantações de chuchu, jiló, couve e abobrinha, em Igarapé, os agentes da Semad encontraram duas bombas com 15 e 20 cavalos, capazes de drenar até 5 litros por segundo (l/s) do Córrego Estiva. A trilha que leva ao ponto exato é encoberta pelo matagal e pelos labirintos de parreiras que recebem a irrigação por gotejamento. É o barulho da bomba a gasolina que revela sua posição, em uma baixada escondida atrás de uma capoeira. Por ironia, uma cerca fixada em torno da mata ciliar alerta para a importância do espaço: “Mata preservada”, diz o aviso estampado em uma placa.

Em propriedade próxima, onde ocorre o arrendamento das terras para o cultivo de hortaliças, o proprietário rural simplesmente desviou a água de uma área de pântano para um poço escavado no terreno, de onde é sugada por uma bomba que também é capaz de dar vazão a 5l/s. As tubulações que distribuem os recursos hídricos entre as hortas contidas em cerca de 5 hectares promovem grande desperdício. Em conexões mal encaixadas e canos furados, a água se perde no solo antes mesmo de chegar aos aspersores que molham as plantas, formando poças em alguns pontos e lamaçais sem qualquer utilidade. Nas duas propriedades não foi apresentado documento de outorga e os responsáveis foram notificados.

Até um represamento do córrego feito antes da chegada à plantação de hortaliças foi encontrado pelos fiscais, com duas grandes bombas funcionando com vazão de 8 l/s. Como não havia outorga, o proprietário foi multado. De acordo com o diretor de Fiscalização de Recursos Hídricos da Semad, Gerson de Araújo Filho, após a notificação a situação das captações é avaliada. Se a água for usada para abastecimento humano, é dado um prazo de 20 dias para regularização.
“No caso de irrigação, esperamos que a cultura seja colhida para proibir a captação ou demandar sua regularização. Se for uma mineração, as atividades devem ser interrompidas imediatamente”, afirma.

Ainda de acordo com o diretor, muitos proprietários de terras escondem grandes captações em licenças de uso insignificante (abaixo de 1l/s) e outros usam mais água do que lhes foi outorgado. “Para saber quanto de água está sendo sugada, nós avaliamos a potência do equipamento de bombeamento, a distância e a altura da tubulação”, explica Araújo. As multas para captação irregular variam de R$ 1.500 a R$ 20 mil.

Impacto da irregularidade

O impacto das outorgas existentes e de consumidores clandestinos ou irregulares antes dos pontos de captação de água para a Grande BH foram denunciados em 22 de fevereiro por reportagem do Estado de Minas, cuja equipe percorreu percorreu mananciais dos dois sistemas de fornecimento da região, o Rio das Velhas e o Rio Paraopeba. Nos municípios de Nova Lima, Ouro Preto e Itabirito, as captações clandestinas em propriedades rurais são comuns. Em Rio Acima até a prefeitura capta água sem outorga do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Situações que colaboram para o agravamento da crise hídrica, que chegou a reduzir a vazão do Rio das Velhas em 10 vezes, passando da média de 80 metros cúbicos por segundo (m3/s) para 7,7m3/s antes do ponto de tratamento em Nova Lima, segundo a Copasa.

Apenas as outorgas legais para mineração, irrigação, indústria e abastecimento tiram, desde 2010, 2.345,69 litros por segundo do rio, segundo levantamento feito pelo EM em 500 documentos com as portarias de concessão de uso de água do Igam. O volume corresponde a 40% dos 5.824 l/s outorgados à Copasa – suficientes para abastecer 650 mil pessoas. A reportagem mostrou ainda que o Igam não consegue renovar as outorgas existentes, gastando até cinco anos para isso, o que traz prejuízo para quem precisa desse comprovante para fazer negócios.

O que é outorga

É uma concessão do poder público (União, estado ou Distrito Federal) que dá direito ao uso de recursos, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas em ato publicado em diário oficial. No caso da água, é o instrumento pelo qual os órgãos ambientais fazem o controle quantitativo e qualitativo do consumo, necessário para evitar conflitos entre usuários e assegurar o efetivo direito de acesso ao recurso natural.
Conforme a Lei Federal 9.433/1997, dependem de outorga desvios ou captações de água de curso ou aquífero subterrâneo para consumo final – inclusive abastecimento público – ou emprego em processo produtivo. Da mesma forma, exigem autorização lançamentos em corpos de água de esgotos ou outros resíduos, uso do potencial hídrico para geração de energia e outros que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um determinado corpo de água.

Enquanto isso...

…nova captação em Brumadinho


O governo estadual decretou de utilidade pública dois terrenos do Instituto Inhotim, que somam mais de 40 mil metros quadrados, para implantação de subestação, sala elétrica e desarenadores da captação do Rio Paraopeba, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. De acordo com decreto publicado ontem no Diário Oficial Minas Gerais, a área será desapropriada, por acordo ou judicialmente, para que a Copasa amplie o sistema de abastecimento na cidade. Os dois terrenos são necessários à obra de contingenciamento para implantação de captação e estação elevatória de água bruta no Rio Paraopeba. No Norte do estado também foram declarados de utilidade pública terrenos no município de Nova Belém e Itaipé, para ampliação de sistema de captação da Copanor, braço da estatal de abastecimento.

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