Foram 10 anos de casamento, além de cinco de namoro. Os primeiros sinais de violência começaram quando os dois moravam no exterior. “Tudo era motivo para gritaria. Eu ficava caladinha, não respondia no mesmo tom nem quando ele falava que era superior a mim por ter feito medicina e eu, enfermagem”, conta L. Outro tempo da relação se deu quando o casal foi morar com os pais do médico. “Meus sogros apoiavam o filho em tudo, diziam que eu era o problema, enfim, uma situação muito difícil.”
Com a mudança para a casa própria, L. achou que a vida mudaria para melhor, mas estava enganada. “Mesmo de longe, meus sogros o manipulavam e as agressões verbais ficaram piores”, afirma a mulher, que decidiu se separar e mudar de BH. “Em fevereiro, ele entrou na minha casa e garantiu que não pagaria mais as pensões dos meninos. Fiquei apavorada, pois um dos meninos é excepcional, e foi aí que chamei a polícia e contratei advogado”.
A segurança de L. para recorrer à Justiça veio pela Lei Maria da Penha. No geral, mulheres vítimas de violência doméstica estão procurando muito mais a proteção do estado. Hoje, o acervo processual nas quatro varas especializadas Maria da Penha da capital mineira é de 49,5 mil feitos, entre ações penais, medidas protetivas e inquéritos policiais, segundo levantamento realizado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, dentro da campanha nacional Justiça pela Paz em Casa, lançada pela vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha. No interior do estado, o acervo de feitos ativos em 31 de janeiro somava cerca de 89,4 mil entre inquéritos policiais, medidas protetivas e ações penais.
“As vítimas estão mais seguras para denunciar e buscar a proteção do estado. Antes da Lei Maria da Penha, era muito barato bater em mulher. Numa transação penal, muitas vezes uma cesta básica resolvia o caso do agressor. Agora, o cerco se aperta”, afirma o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). E elas buscam mais garantias previstas na lei. Só nas quatro varas especializadas de BH foram concedidas 11,7 mil medidas protetivas, entre fevereiro de 2014 e 31 de janeiro de 2015. É um tipo de medida determinada pela Justiça com bastante agilidade - em geral é concedida inclusive antes do início da ação penal - impedindo que o marido, ex- marido ou namorado se aproxime, de modo a preservar a integridade física da mulher.
As estatísticas são ainda bastante frágeis, principalmente no interior do estado, onde não há varas especializadas na Lei Maria da Penha e os crimes de violência doméstica resvalam para a vala comum dos crimes em geral. E no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não há um procedimento regular de coleta de informações junto aos tribunais de Justiça sobre os feitos envolvendo a violência contra a mulher.
CRESCIMENTO
O último levantamento refere-se ao perfil processual das varas especializadas nos estados entre 2006, época de vigência da legislação, e dezembro de 2011. Nessa época, havia em Minas apenas duas varas especializadas, ambas na capital, instaladas em junho de 2009. Ao longo de 15 meses após a instalação, foram registrados de acordo com o CNJ, 64.034 procedimentos, entre inquéritos, ações penais e medidas protetivas, uma média mensal de 3.370 feitos relacionados à violência contra a mulher. Mais de cinco anos depois, são agora quatro varas especializadas em Belo Horizonte. Considerando o atual acervo processual ao longo do último ano de 49.556 procedimentos, verifica-se uma média mensal de 4.130 feitos, ou seja, um aumento médio de 23% em relação ao período entre 2009 e 2011 aferido pelo CNJ.
Dentro da campanha nacional Justiça pela Paz em Casa, destinada a dar resposta aos casos de violência contra a mulher, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais está mobilizado ao longo deste mês, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, para priorizar os julgamentos de processos relacionados à Lei Maria da Penha. Em Belo Horizonte, 25 juízes voluntários, de diversas varas, estão se revezando nas cerca de 950 audiências já agendadas para março. A meta é reduzir o acervo. A mesma mobilização se repetirá em agosto, aniversário da Lei Maria da Penha, e em novembro, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher.
Seis homens foram presos ontem em Belo Horizonte pela Polícia Civil e enquadrados na Lei Maria da Penha. Eles são acusados de lesão corporal e ameaça. A prisão faz parte de uma força-tarefa batizada de Operação Deusa Hera. O objetivo é cumprir 23 mandados de prisão e 16 de busca e apreensão, todos relacionados a casos de violência contra mulher. O trabalho continua hoje e a previsão da polícia é que mais mandados sejam cumpridos ao longo deste mês.
DEFESA
Acervo de medidas protetivas, inquéritos policiais e ações penais*
BH
49,5 mil
Minas
89,4 mil
* Em 31 de janeiro de 2015