A canoa achada em outubro do ano passado no Rio Grande, na divisa de Andrelândia e Santana do Garambéu, no Sul de Minas, é a mais antiga já identificada no estado. Teste feito com carbono 14 de uma amostra da madeira, no Laboratório Beta Analytics, em Miami, na Flórida (EUA), mostra que a peça inteiriça data de aproximadamente 1610 – sete décadas antes da chegada dos primeiros bandeirantes à região. Outro resultado importante divulgado ontem, desta vez a partir de estudo científico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP), revela que a embarcação foi escavada no tronco de uma Araucaria angustifolia, conhecida popularmente como pinheiro do Paraná.
Encontrada pelo pescador Pedro Fonseca e o filho, Douglas, de 9 anos, que remavam em um fim de semana, a canoa tem 9,10m de comprimento e 70cm de largura e está em exposição na sede do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas (NPA) do Alto Rio Grande, associação que encomendou os dois testes e completa 30 anos em favor da preservação do patrimônio cultural de Andrelândia. Nos últimos 18 anos, seis peças de tamanhos variados foram localizadas em rios. Outra “piroga”, como os índios denominavam esse meio de transporte, foi encontrada em 1999 no Rio Aiuruoca, no limite entre entre Andrelândia e São Vicente de Minas, e recebeu a datação de 1660, também com radiocarbono.
Entusiasmado com a descoberta, o conselheiro do NPA, engenheiro Gilberto Pires de Azevedo, explica que os povos pioneiros que habitavam a região tinham um contato muito grande com a araucária. “Escavações feitas na década de 1980 por arqueólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no sítio da Toca do Índio, na Serra de Santo Antônio, encontraram sementes de pinhão, que, possivelmente, eram consumidas como alimento. Os vestígios mais antigos têm 3.500 anos”, afirma Gilberto.
O conselheiro acrescenta que a datação confirma que a canoa tem procedência indígena, fato que já havia sido considerado pelos integrantes do NPA, “pois ela foi escavada num único tronco de madeira, não tem sinais aparentes de uso de ferramentas modernas, como serras ou formões, e traz marcas de fogo, indicando a antiga técnica dos índios”. A partir do século 18, explica, a araucária sofreu processo acelerado de destruição, sobretudo para o uso da madeira em construções civis. “Hoje seu território está reduzido a uma fração mínima, o que segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), a coloca em Perigo Crítico de Extinção”, lamenta o engenheiro.
Em 29 de novembro, o Estado de Minas documentou o achado arqueológico, que teve participação fundamental de Douglas. No domingo de sol forte e nível do rio baixo, devido à longa estiagem, o menino teve vontade de mergulhar, quando encostou a mão num pedaço de madeira. Comunicou então ao pais, e a dupla verificou que a embarcação estava enfiada na areia. Retirar a velha canoa não foi fácil, conforme declarou, na época, o arquiteto José Marcos Alves Salgado, também conselheiro do NPA: foram necessários quatro dias para levar a peça até uma trilha no mato e protegê-la. Na sequência, ela seguiu de caminhão até o Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio, unidade pertencente ao NPA.
Os achados no Sul de Minas, onde foram localizadas três canoas do século 17, sugerem que pode haver outras supresas, acredita Gilberto, lembrando que os achados arqueológicos se concentram em cavernas, grutas e na terra: “Descobertas desse tipo são muito raras no Sudeste do país e a importância histórica é enorme. É preciso haver mais estudos nos rios da região, ainda nessa época de poucas chuvas”. O conselheiro do NPA adianta que a associação vai construir instalações adequadas para proteger melhor a canoa e garantir mais conforto aos visitantes.
DESCOBERTAS Um desenho feito pelo alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), em viagem pelo país entre 1821 e 1825, mostra 13 índios numa canoa. Ela tem 10,6m de comprimento e 70cm de largura e foi encontrada em 1999 no Rio Aiuruoca, que integra aa bacia do Rio Grande, em São Vicente de Minas, no Sul do estado.