O que era bom durou apenas cinco meses para os moradores da Praça do Papa e da Avenida Agulhas Negras, no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O vandalismo, o tráfico e o uso de drogas, as festas barulhentas e os pegas, entre outros abusos que durante anos atormentaram a vizinhança até altas horas da madrugada, voltaram a ser um pesadelo. Desde dezembro, a partir das 22h de sexta-feira, o tão esperado fim de semana de quem mora diante da Serra do Curral, um dos cartões-postais de Belo Horizonte, se transforma em tormento. Até por volta das 3h da madrugada, motoristas e motociclistas abusam da velocidade, disputando corridas, muitos com os escapamentos adulterados para produzir ainda mais barulho. Eles fazem arrancadas cantando pneus, andam na contramão e executam outras manobras perigosas. “Querem adrenalina, mas se esquecem de que a avenida fica em um vale e que o barulho ecoa dentro das casas”, reclama o vice-presidente da associação dos moradores, o engenheiro de produção Sílvio André de Oliveira.
Mas os abusos não ocorrem apenas à noite. Na tarde do último sábado, enquanto famílias faziam piquenique e crianças brincavam, carros com som em nível ensurdecedor contribuíam para quebrar o silêncio de uma tarde aparentemente tranquila. Estacionado em um dos pontos da praça, um Fiat Palio exibia no porta-malas toda a potência do seu equipamento. De longe, o motorista, acompanhado da esposa e com um bebê de colo, comandava a música por controle remoto. Coincidência ou não, desligava sempre que uma viatura da Polícia Militar ou da Guarda Municipal se aproximava. Em seguida, ligava novamente.
A prática não é novidade. A Associação do Magabeiras cobra a presença da PM de forma mais permanente na Praça do Papa, especialmente à noite, extamente para abordar donos dos carros de som, motoristas e pilotos de motos barulhentas, pois, no caso de rondas eventuais, eles disfarçam apenas na presença da polícia. Em 11 de janeiro, o vice-presidente da Associação do Mangabeiras disse ter enviado pedido de audiência à Regional Centro-Sul da Prefeitura de BH, propondo a instalação imediata de lombada eletrônica e radar na avenida, para inibir abusos de velocidade e os riscos de acidente.
A associação também solicitou a instalação de câmeras do Sistema Olho Vivo no final da Avenida Agulhas Negras e no início da praça, para identificação das placas dos carros mesmo quando a PM não estiver presente. Outro incômodo, segundo os moradores, é o barulho dos drift trikes, triciclos feitos em aço, com rodas de bike e kart, e carrinhos de rolimã. “Parece barulho de turbina de avião. Os triciclos e carrinhos sobem a avenida rebocados por carros de passeio, com cordas e de outras formas irregulares e perigosas. Depois, descem em alta velocidade”, denuncia Sílvio André. Quem se arrisca também no entorno da praça são os skatistas, que muitas vezes cruzam a frente dos carros indiferentes ao perigo, como testemunhou a equipe do Estado de Minas no sábado.
Abusos e sujeira O bancário aposentado Wilson Ferreira, de 89 anos, mora na Praça do Papa há 32 e conta que nunca houve tanto barulho como agora. “Aqui, dá 4h da manhã e a gente não consegue dormir. Minha nora mora do outro lado da praça, mais perto do barulho, e já chegou a telefonar oito vezes para a PM numa madrugada só, e ninguém apareceu”, reclama. Pela manhã, segundo Wilson Ferreira, o resultado da farra é uma enorme sujeira, com preservativos usados, garrafas e latas vazias espalhados.
Filha dele, a médica Denise Cristina Ferreira, de 47, conta que sai de casa às 5h para trabalhar em Contagem, na Grande BH, e que muitas vezes vê o dia amanhecer sem conseguir dormir. “O barulho é muito alto. A praça parece uma concha acústica e o som ecoa dentro das nossas casas. Tocam um funk da pesada e tem um grupo que ensaia tambor”, queixa-se. Segundo ela, já houve casos de vândalos tentarem invadir casas, pulando as grades. Foi em uma festa organizada pelas redes sociais, segundo Denise. “Já teve dia em que eu não consegui sair de casa para buscar minha filha em uma festa de aniversário”, conta a médica. “Eles usam drogas e soltam a voz. Gritam tão alto de madrugada que a gente pensa que alguém está sendo violentado”, comentou.