Jornal Estado de Minas

Sozinha, sobretaxa não estanca crise hídrica em Minas

Considerando a experiência de SP com cobrança sobre gasto extra e meta de economia de 30% para evitar colapso de água na Grande BH, especialistas consideram que rodízio será inevitável - e severo

Mateus Parreiras

Parte do problema - No Caiçara, onde já há corte de abastecimento, mangueira é usada como se não houvesse crise - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESSSó a taxação sobre quem consumir mais água do que a média do ano passado, anunciada para começar no mês de maio pela força-tarefa criada para enfrentar a crise hídrica em Minas Gerais, não será suficiente para impedir o colapso de abastecimento em Belo Horizonte e na Grande BH, o que indica ser inevitável a programação de rodízios drásticos de fornecimento.

A avaliação é de especialistas em hidrologia ouvidos pelo Estado de Minas, levando em consideração o índice de economia de 30% apresentado pela Copasa como pré-requisito para evitar que falte água. A companhia ainda não definiu quais os percentuais de consumo excessivo serão punidos, mas, se o modelo paulista for usado e a resposta dos consumidores for semelhante, a economia ficará na casa de 3,8%, exigindo outras manobras e políticas como o racionamento.

Para chegar a 30% de economia, consumidores e Copasa precisariam deixar de usar 2.361 litros por segundo (l/s) dos sistemas Rio das Velhas e Paraopeba. Porém, depois do primeiro mês de campanha feito pela Copasa, os consumidores economizaram espontaneamente não mais que 739,9 l/s, ou 9,4% do total de captação. Em São Paulo, onde há sobretaxa de 20% na conta para quem consumir até 20% acima da média do ano anterior e 50% de acréscimo além disso, a economia com a medida é estimada em 3,8%. Se a eficiência for a mesma em BH, a poupança chegaria a 300l/s. É pouco mais do que o volume de 245l/s consumido pelo município de Pará de Minas, no Centro-Oeste mineiro, com 90 mil habitantes. A soma da economia espontânea e da sobretaxa seria de 1.039,9l/s (13,2%), faltando, ainda, 1.322,3l/s (16,8%) para atingir a meta de poupança de 30%.

Uma economia considerável que, na opinião de especialistas, só poderia ser atingida com a contenção de vazamentos e a aplicação de rodízio de consumo.
Para se ter uma ideia, o volume a ser poupado é superior a todo o consumo de Montes Claros, no Norte mineiro, o sexto município mais populoso do estado, com 330 mil habitantes, e que capta 1.200l/s de água. “A contenção de vazamentos não é tão rápida nem eficiente. Depende de denúncias de consumidores e de identificação dos pontos onde ocorrem as perdas. Assim sendo, nesta altura do campeonato, com aproximação da estação de estiagem, restam outras medidas de resposta mais imediata, como o escalonamento de fornecimento (rodízio) e o racionamento”, afirma o professor de engenharia hidráulica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Rafael Palmier. “A sobretarifa é uma medida limitada, em termos de controle de fornecimento. Em São Paulo se economizou mais com a redução de pressão na distribuição, porque isso teve efeito educativo em quem sentiu na pele a falta de água. O rodízio tem controle mais efetivo”, avalia Uriel Duarte, professor de engenharia, geociências e recursos hídricos da Universidade de São Paulo.

Parte da solução - Mas há também vizinhos mobilizados, como Ademir Costa, que instalou redutor de vazão nos chuveiros - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS Ontem, 15 dias depois da expectativa inicial da força-tarefa, a Copasa recebeu do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) o estudo técnico que contém o decreto de situação de escassez hídrica. Com essa documentação, a empresa deve formular as providências necessárias para controlar a crise, como sobretaxa, rodízio e outras formas de racionamento, mas as medidas ainda devem ser apreciadas pela Agência Reguladora de Servicos de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário de Minas Gerais (Arsae-MG), na semana que vem.


PARADOXO

Enquanto algumas pessoas já se conscientizaram da importância de economizar água, há vizinhos de bairro que continuam desperdiçando. No Bairro Caiçara, Região Noroeste de BH, onde a falta de água causada por reduções de pressão na distribuição ocorre geralmente no fim da tarde e início da manhã, o empresário Ademir Moura Costa, de 64 anos, instalou redutores de vazão nos chuveiros de sua casa e nos do centro esportivo que dirige. “Vou, ainda, instalar mecanismos para reduzir a vazão de torneiras. Estamos também trabalhando com conscientização no uso das descargas. Se não fizermos nossa parte, além de faltar água, ainda vamos pagar mais caro”, afirma. Porém, bem perto, duas ruas abaixo, mesmo depois de uma noite chuvosa, uma senhora esfregava com a vassoura o piso da garagem de um edifício com quatro apartamentos, deixando a mangueira acionada e a água fluindo para a rua.

Mesmo quem se programou para economizar, como o chef de cozinha Jacques Lamego, de 26, que instalou despressurizadores no chuveiro e segunda descarga no sanitário, se prepara para o encarecimento da conta de água.

“Com o nascimento de minha filha, nosso consumo deve aumentar. Não tem muito jeito, mas mesmo assim vamos tentar, fazer campanha no condomínio. É para nossos filhos que devemos preservar este mundo”, define.

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