Gustavo Werneck
Casarões seculares destruídos na calada da noite, construções clandestinas no entorno de imóveis tombados, degradação de sítios arqueológicos e omissão do poder público diante do arruinamento de bens que contam – e valorizam – a história de Minas. São muitos os crimes e desmandos contra o patrimônio cultural do estado, expoente no Brasil pelos monumentos coloniais, ecléticos e modernistas, preciosidades de mais de 10 mil anos guardadas em grutas e cavernas e outras relíquias. A situação exige atenção redobrada do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que registra, por mês, a abertura de quase 80 procedimentos investigatórios instaurados em 255 das 296 comarcas mineiras. Levantamento divulgado semana passada pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MPMG), com base em dados de 2014, indica aumento de 67,14% em relação ao ano anterior (563 investigações).
No ano passado, foram 941 procedimentos, sendo campeãs em investigação as promotorias (veja o quadro) de Ouro Preto, na Região Central, São João del-Rei, no Campo das Vertentes, Belo Horizonte, Paracatu, no Noroeste, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Marcos Paulo lembra que se podem fazer várias leituras sobre as informações contidas no trabalho. “Deve-se entender o patrimônio cultural de forma ampla, e não apenas como os conjuntos das cidades do Ciclo do Ouro. Minas tem outros bens de extrema importância, como os sítios arqueológicos e paleontológicos (fósseis), unidades de conservação e estações ferroviárias.”
Na lista, há municípios completamente fora do eixo barroco, como Ubá e Juiz de Fora, na Zona da Mata, Januária e Montes Claros, na Região Norte, Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e Carmo do Paranaíba, no Alto Paranaíba. “Toda cidade tem sua história e monumentos a serem conservados. Portanto, toda cidade é histórica. Belo Horizonte, por exemplo, foi fundada em 1897, é republicana, e tem o conjunto modernista conhecido internacionalmente. Não se pode confundir patrimônio cultural com algo antigo, é preciso alargar os conceitos. Afinal, Minas tem 853 municípios e muita diversidade”, ressalta Marcos Paulo.
CAPACIDADE
O coordenador do CPPC esclarece que, apesar de apresentar números superlativos, os problemas envolvendo o patrimônio cultural de Minas não aumentaram. “O que cresceu foi a capacidade do MPMG de detectar os problemas e atuar positivamente para solucioná-los. Há procedimentos investigatórios tramitando em todas as regiões e os promotores de Justiça do interior têm atuação muito combativa e eficaz na área, adotando medidas preventivas e consensuais. Como Minas detém o maior número de bens culturais protegidos do país, o MPMG, guardião dos direitos da sociedade, precisa ter uma responsabilidade proporcional a esse acervo e, assim, lutamos para cumprir essa missão.”
Certo de que ninguém pode desmerecer seus bens culturais, o titular do CPPC conclama as comunidades a preservarem seus monumentos e fatos históricos. “Santa Luzia, na RMBH, remete à Revolução Liberal de 1842, enquanto Ouro Preto, aos inconfidentes. Da mesma forma, há municípios como Jequitaí, na Região Norte, donos de sítio arqueológico de destaque, e Campina Verde, no Triângulo, onde escavações permitiram localizar ossadas de dinossauros com datação de 80 milhões de anos”, afirma Marcos Paulo.
Vigilante em sua luta para garantir a integridade dos bens culturais, o coordenador do CPPC cita como avanço a recente descoberta de fósseis de animais pré-históricos em Uberaba, no Triângulo, conforme mostrou reportagem do ESTADO DE MINAS na edição de quinta-feira. Para as pesquisas dos paleontólogos Thiago Marinho e Luiz Carlos Borges Ribeiro, do Complexo Cultural e Científico de Peirópolis, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, foi vital a participação do empreendedor Tiago Pantaleão, que constrói oito torres residenciais em terreno de área nobre da cidade, no qual o material foi encontrado. Ao tomar conhecimento dos fósseis, Pantaleão abriu as portas do condomínio para a atuação dos pesquisadores.“Esse tipo de atitude mostra transformações na sociedade. Há uma mudança de mentalidades: empresários que não enxergam o patrimônio cultural como empecilho, mas como um bem da comunidade”, afirma.