Praça da Liberdade, de histórias, lutas e conquistas. A história de Minas Gerais – e do Brasil – passa necessariamente pelo espaço mais nobre de BH. Ao longo de décadas, o local, onde domingo passado cerca de 24 mil pessoas protestaram contra a corrupção e o governo da presidente Dilma Rousseff, já foi palco de todos os tipos de manifestação: políticas, sociais, religiosas, culturais e cívicas. Mas a praça, inaugurada em 1897, também abrigou cerimônias fúnebres e festivas. Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG) desde 1977, a Liberdade sempre foi marco estratégico no município, ressalta o historiador Yuri Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). Ele explica que, ao projetar a nova capital, a comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis não respeitou a topografia da região. “A exceção foi a Praça da Liberdade, que fica no ponto mais alto. Essa elevação, portanto, foi a indicada para receber a sede do poder estadual”, afirma.
Belo Horizonte foi inaugurada oito anos depois da Proclamação da República e tem características que a contrapõem a Ouro Preto, a antiga capital de Minas, onde as igrejas dominam a paisagem e as irmandades tinham papel importante. Em BH, ocorreu o contrário, e o Palácio da Liberdade, que tem a praça à frente, ficou em lugar mais alto do que a Catedral da Boa Viagem. Era o símbolo republicano, e só muito depois, na década de 1930, é que o Palácio Cristo Rei, da Cúria, foi erguido ao lado.
Pela sua localização, a praça se tornou área favorita dos manifestantes – “inclusive para protestar contra o próprio governo”, destaca Yuri. Além de ter grande visibilidade, acrescenta, é um lugar charmoso e síntese de vários estilos arquitetônicos, como os prédios das antigas secretarias de Fazenda, Educação e Obras e Vias Públicas, da época da construção; ou o Edifício Niemeyer e a Biblioteca Pública, projetados pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1906-2012). Da lavra contemporânea, pontifica o Rainha da Sucata, da década de 1980, do arquiteto Éolo Maia (1942-2002).
Em 2010, a sede do governo estadual e as secretarias se transferiram para a Cidade Administrativa, no Bairro Serra Verde, em Venda Nova, e entrou em cena o Circuito Cultural da Praça da Liberdade, considerado o maior complexo nesse segmento do país. Mas, pelo visto, o cartão-postal terá eternamente a aura de tribuna popular, segundo mostrou a manifestação do último domingo. O chamado “grito dos indignados” serviu para puxar os fios da memória e mostrar outros retratos a favor da democracia que tiveram a Liberdade como cenário.
Entre os fatos marcantes, os especialistas chamam a atenção para os milhares de mineiros que compareceram à praça para bradar contra os países do Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Outra cena que ficou gravada na memória dos mineiros foi o assassinato, com um tiro na cabeça, do cabo da Polícia Militar Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos. Ele morreu às 15h23 de 24 de junho de 1997, durante manifestação na praça. Valério liderava passeata por melhores salários depois de o comando de greve recusar proposta da PM.
CENAS VIVAS Muitos belo-horizontinos têm vivas na cabeça as cenas ocorridas em 29 de maio de 1979. Naquele dia de inverno, professores, a maioria mulheres, que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho, foram expulsos pela polícia da Praça da Liberdade. Os militares usaram jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo para fazer os educadores baterem em retirada. Nessa época brava da ditadura, servidores públicos eram proibidos de ter sindicato. Mais da metade da categoria era contratada num sistema precário e os professores lutavam contra isso. No momento em que o comando de greve tentava fazer a negociação, os docentes fomos recebidos com água.
Um dos momentos mais marcantes no local foi o velório no Palácio da Liberdade do ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985), morto em 21 de abril de 1985. Houve comoção geral. À época, a grade do Palácio da Liberdade arrebentou devido à pressão da multidão reunida às portas da sede do governo e sete pessoas morreram. Na sacada do palácio, a viúva Risoleta Neves (1917-2003), com a voz embargada, pedia calma aos mineiros, num apelo dramático para conter o povo aglomerado que queria se despedir do ex-presidente. Mas a alegria também dominou a praça, que teve grandes celebrações: a posse do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), em 1951; a aclamação de Nossa Senhora da Piedade, em 1969, como padroeira dos mineiros; e bem antes de todos esses fatos, lá em 1920, a recepção aos reis da Bélgica.
TRINCHEIRA E NINJAS O tempo passa, o novo século chega e a Praça da Liberdade não para de surpreender. Em setembro de 2000, o Palácio da Liberdade se transformou em trincheira do então governador Itamar Franco, que se sentia ameaçado pela presença de tropas federais em Minas. A sede do poder estadual ficou tomada por carros de choque, helicóptero, atiradores de elite, UTI móvel e barraca de campanha sobre a grama. Agindo como se um ataques de tropas federais fosse ocorrer a qualquer momento, Itamar permanecia em vigília, alertava para risco de “mortes”. Soldados com o rosto coberto por máscaras tipo ninja apareciaM nas sacadas do Palácio. Em entrevista ao EM, em 13/9/2000, Itamar garante ter informações sigilosas de que “se planejam atos contra o Palácio da Liberdade”.
LINHA DO TEMPO
1942
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Praça da Liberdade se torna palco de grandes manifestações contra os países do Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. O estopim ocorreu quando mais de 50 navios brasileiros, em águas nacionais, foram torpeados por submarinos alemães
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1955
Depois de ser nomeado prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek se elegeu governador de Minas, ficando no poder de 31 de janeiro de 1951 a 31 de março 1955. No dia da posse, ele desfilou em carro aberto pela Alameda das Palmeiras e recebeu os aplausos do eleitorado
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1960
Em 31 de julho, multidão festeja a consagração de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais no local. A proclamação ocorrera dois anos antes, em Roma, pelo papa João XXIII
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1969
Criada a Feira de Artesanato da Praça da Liberdade, que ficou conhecida como Feira Hippie. Em1991, começou o projeto de restauração do espaço, sendo a Avenida Afonso Pena escolhida como novo endereço dos expositores
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1979
Em 29 de maio, professores, a maioria mulheres, que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho, foram expulsos pela polícia da Praça da Liberdade. Os militares usaram jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo para fazê-los bater em retirada
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1985
Falecido em 21 de abril, o presidente Tancredo Neves foi velado no Palácio da Liberdade. Na época, a grade do palácio arrebentou devido à multidão que se comprimia às portas da sede do governo. Houve gente pisoteada e sete mortos
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1997
Em 24 de junho, o cabo da PM Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, foi assassinado, com uma bala na cabeça, no canteiro central da Praça da Liberdade. Ele liderava passeata por melhores salários
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2015
Em 15 de março, cerca de 24 mil pessoas, segundo a PM, ocuparam a Praça da Liberdade para protestar contra a corrupção e o governo da presidente Dilma Rousseff