Para ele, o respeito à natureza e o combate ao desperdício são anteriores à crise hídrica que assombra o país. Vem dos tempos de criança, do trabalho com calças curtas na horta do Bairro Milionários, na Região do Barreiro, em Belo Horizonte. Agostinho Miranda de Souza, de 62 anos, conta emocionado os tempos de labuta, aos 10, “com os pés descalços” para ganhar trocados e ajudar a família numerosa – a mãe teve 18 filhos. A lida com o mínimo, com o essencial, vem de sempre. O moço é exemplo para os mais próximos e para os vizinhos. Para lidar com o risco iminente da falta d’água, além de reaproveitar os restos da máquina de lavar, como muitos, Agostinho construiu uma engenhoca para guardar a chuva. Tamanho sucesso, a medida teve efeito multiplicador e já é realidade na casa de parentes e inspiração para vizinhos.
Com o encanamento especial na casa da Rua Maurilio Gomes da Silveira, o empresário do ramo de eletromecânica baixou em 56% o custo na conta de água, enquanto o consumo caiu de 12 para 7 metros cúbicos. São cerca de mil litros coletados em uma hora de chuva moderada.
Ana Maria conta que, logo que soube da crise, pediu para o marido providenciar os galões para o aproveitamento da água das calhas. Agostinho não só providenciou os reservatórios, como também bolou um projeto de encanamento para todo o telhado, com quatro coletores especiais. Um deles diretamente ligado a uma caixa d’água extra com capacidade para 500 litros. Há ainda um “ladrão” no sistema para que a água seja renovada. Os galões no quintal ainda têm uma grade com um filtro para que apenas a água seja coletada. “A gente passou a economizar e ainda a ter mais água para lavar terreiro, tapetes, cortinas, azulejos, banheiros e até a roupa de cama”, orgulha-se Ana Maria.
Para a dona de casa, não basta ter intenção: “Também é preciso ter disposição e atitude, porque temos que carregar os galões e cuidar da limpeza da água recolhida”. Durante a visita da reportagem, choveu o suficiente para que os galões de 20, 30 e 50 litros transbordassem no quintal. “É uma pena a gente não ter condição de guardar mais água. A vontade é de poder distribuir para todo mundo”, diz Agostinho. O empresário demonstra ainda a preocupação em manter o telhado limpo para receber a chuva.
Nunca desperdiçar
Dos tempos de 17 irmãos – hoje são apenas quatro –, entre tantos os ensinamentos dos pais, Agostinho traz a lição das responsabilidades em família. De não desperdiçar nunca. “Fome a gente nunca passou, mas só fui colocar um chinelo nos pés com 14 anos”, conta. O empresário passeia com a emoção pela linha da vida. Vai da felicidade à toa da infância de trabalho e escola, dos “jogos de bola” debaixo de chuva no campinho do Barreiro, à satisfação de ver os três filhos muito bem criados, da felicidade vinda com o casal de netos.
Homem de paz e bem, Agostinho só não dá conta de esconder a revolta em relação à corrupção que toma conta do país. Lamenta que a crise hídrica, “que a situação tenha chegado ao ponto que chegou”. Para o empresário, se o poder público tivesse vontade política “a realidade seria outra”. Da aposentadoria pelos quase 30 anos de trabalho como eletromecânico, e dos cinco salários mínimos, ficou 1,5. Mais um motivo de revolta. Entretanto, em boa companhia, dono de força e atitude exemplares, Agostinho não desiste nem baixa a cabeça: “Estou feliz de fazer a nossa parte.”
Reservatórios mais cheios
O nível dos reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte melhorou com a chuva dos últimos dias.