Rio Peruaçu, afluente do São Francisco, vem secando nos últimos anos, o que representa uma séria ameaça ao patrimônio natural das grutas e cavernas do Vale do Peruaçu, que abriga um dos mais importantes conjuntos de sítios arqueológicos do Brasil, nos municípios de Januária e Itacarambi, no Norte de Minas. A drástica redução do volume do manancial é objeto de estudo desenvolvido desde 2010 por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O gerente do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, João Barbosa de Oliveira, que vive na região há mais de três décadas, diz que o rio começou a secar há 10 anos. Segundo ele, o Peruaçu está completamente vazio em um trecho de 40 quilômetros, que vai desde a nascente (que praticamente desapareceu) até o ponto onde recebe o Rio Forquilha, seu primeiro e principal afluente, a 15 quilômetros dos sítios arqueológicos. “Hoje, a água que chega às cavernas, na verdade, é a do Rio Forquilha”, explica Oliveira.
Ele salienta que, além de atingir as comunidades às suas margens, o secamento do Peruaçu representa um sério risco para o ecossistema da região, que conta com duas importantes áreas de preservação: o próprio Parque Veredas de Peruaçu (de 31,2 mil hectares, nos municípios de Januária, Cônego Marinho e Bonito de Minas) e o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, que tem 56 mil hectares, com mais de 80 sítios arqueológicos catalogados, reunindo pinturas rupestres e registros da presença humana de 11 mil anos. Na área das cavernas, o rio corre subterrâneo por seis a sete quilômetros.
“Há pontos no Rio Peruaçu em que o espelho d’água tinha de 400 a 500 metros de largura. Hoje, esses locais estão completamente secos”, diz, preocupado, João Barbosa Oliveira. “O secamento do rio é uma ameaça à fauna da região, provocando uma mudança de hábitat dos animais, que precisam buscar água em outro lugar”, observa, ressaltando que, mesmo com as chuvas dos últimos dias, a maior parte do leito do Peruaçu permanece vazia, contando apenas com poços em alguns pontos.
O gerente do Parque Veredas do Peruaçu disse que a redução da quantidade do volume de água é cercada de certo mistério, já que, como está em área de preservação permanente, o rio não sofre com o desmatamento e o assoreamento, problemas que mais afetam as nascentes na região. Mas, para ele, o problema é conseqüência da exploração descontrolada de água do subsolo.
Para reforçar essa hipótese, o gestor da área ambiental lembra que há 15 anos, três pesquisadores estrangeiros, dois da Bélgica e um da França, realizaram estudos na área do Peruaçu e disseram que os rios pequenos da região, situados acima de 750 metros de altitude, corriam sério risco de desaparecimento, devido ao rebaixamento do lençolfreático.
Estudiosos sugerem intervenção urgente
A professora Cristina Helena Ribeiro Augustin, do Instituto de Geociências (ICG) da UFMG, que realiza estudos sobre a redução do fluxo da água do Rio Peruaçu desde 2010, afirma que há três hipóteses possíveis para o problema. A primeira, segundo ela, é a geomorfologia, que assume as mudanças como um processo normal de evolução da paisagem. A segunda possibilidade é o impacto humano, decorrente de uso e manejo incorretos, com excessiva retirada de água, queimadas e outras formas de interferência. A combinação desses fenômenos é apontada pela pesquisa como outra possível causa do processo de desaparecimento do rio de um dos mais importantes conjuntos arqueológicos do país.
“Mesmo considerando a hipótese geomorfológica como principal, o manejo e o uso incorretos agravam a situação. E, sendo Minas Gerais uma importante zona de cabeceiras, na qual nascem rios como Jequitinhonha, Doce, Mucuri, das Velhas e São Francisco, cabe a adoção de ação imediatas do governo, em várias frentes”, considera Cristina Augustin, que integra o Departamento de Geografia da UFMG. Ela sugere a adoção de medidas urgentes para a recuperação do Peruaçu, como estímulo ao replantio de vegetação nativa, o fim das queimadas e a garantia de sustentabilidade em atividades como pecuária e agricultura.
A pesquisadora ressalta que são necessárias medidas para favorecer a penetração da água no solo. Nesse sentido, lembra que experiências realizadas durante os estudos na área do Peruaçu demonstram que a infiltração na região é lenta. Ainda segundo ela, a falta de chuvas dos últimos dois anos somente acentuou o problema, já que o processo de secamento do rio começou há mais tempo.
Cristina Augustin ressalta que há três maneiras de um rio secar: pela mudança climática, pelo uso excessivo da água do lençol freático, mesmo mantida a reposição natural, e pela diminuição do volume, “não porque esteja chovendo menos, mas pela redução da infiltração”. Nesse cenário, observa, a água tende a escoar superficialmente, especialmente em áreas com pouca cobertura vegetal, provocando enchentes.
“Não é preciso uma tragédia para secar um sistema. Bastam ações como as que estão sendo levadas a cabo há vários anos nessas bacias e que estimulam as enxurradas, como a retirada de cobertura vegetal, o plantio indiscriminado de eucalipto, a criação de gado e o uso excessivo da água do lençol freático”, afirma Cristina Augustin. Ela alerta ainda que o Rio São Francisco corre o risco de, em longo prazo, ter partes expressivas do seu trecho soterradas pela quantidade de sedimentos levada pelos seus afluentes.
Além de Cristina Augustin, integram a equipe de pesquisa na região do Peruaçu os professores Rubens Martin Moreira, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Fábio de Oliveira, do Departamento de Geografia, e Paulo Roberto Antunes Aranha, do Departamento de Geologia da UFMG. Os pesquisadores Bruno Debien e Walter Viana Neves também tentam responder por que o Peruaçu está secando.
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