Jornal Estado de Minas

Em Minas, no Vale do Aço, Inhapim é lugar de fé e sossego

Moradores do distrito de Inhapim, no Vale do Aço, levam a vida sem estresse, entre a prosa e a devoção, apesar da falta de serviços básicos, como agência bancária e correios

Com apenas 600 habitantes, o distrito é cercado por montanhas e cursos d%u2019água. As missas são celebradas pelo padre da vizinha Dom Cavati, a 18 quilômetros - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Inhapim – Alessandro Emídio Silva, de 12 anos, não passa por um adulto conhecido sem pedir a bênção. O sonho do garoto que cursa a sétima série é “estudar para padre e celebrar missas em Jerusalém”. O lugar a que ele se refere não é a famosa cidade de Israel onde, segundo as sagradas escrituras, Jesus morreu crucificado, sepultado e ressuscitou no terceiro dia. A Jerusalém em que o menino mora é um pacato distrito de Inhapim, no Vale do Aço, a 250 quilômetros de Belo Horizonte, com cerca de 600 habitantes.

A vida lá passa devagar. O trote dos cavalos e o barulho das charretes são ouvidos nas poucas ruas que formam o lugarejo, rodeado por estreitos cursos d’água e erguido no fundo de um vale rico em flora e fauna, sobretudo de pássaros. “Aqui tem seriema, anu, tucano, beija-flor, canário, tem um tanto de aves”, conta o garoto enquanto descansa em frente à igreja de Bom Jesus de Jerusalém. Nesta Páscoa, data em que os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus, será celebrada uma missa especial no templo.

Dona Maria, que reza o terço todo os dias, e o menino Alessandro, que quer ser padre - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Alessandro não perde um culto na igreja, erguida em frente à praça principal do povoado. As missas são celebradas sempre no primeiro domingo de cada mês, pois, assim como ocorre em vários distritos Brasil afora, o templo não conta com um padre exclusivo.

O pároco vem da cidade vizinha de Dom Cavati, a 22 quilômetros, sendo 18 quilômetros de chão batido.

“Deus é tudo em nossa vida”, diz Alessandro, pouco antes de pedir bênção a dona Maria Alves de Oliveira, de 73. Batizada com o nome da mãe de Jesus, ela elogia a educação do menino e emenda: “Quem não gosta de receber proteção?” A moradora da Jerusalém mineira reza o terço, diariamente, ao meio-dia. Às 14h30, também todos os dias, ela acompanha por uma rádio da região a novena de Nossa Senhora do Socorro. Viúva e com sete filhos, dona Maria ganhou a vida na roça.

“Quando meu marido faleceu, a caçula tinha 4 anos. Lá se foram pouco mais de três décadas. Deus me deu forças para criar todos os filhos. Hoje, apenas um mora comigo”, conta a mulher, cuja residência fica próxima à de seu José dos Santos, de 55. Devoto de Nossa Senhora Aparecida, ele planeja repetir este ano a viagem que fez, em 2014, ao principal templo em homenagem à santa. “Fui a Aparecida (SP). Quero retornar em outubro. A gente volta com a fé maior do que a que foi”, garante o ex-lavrador. Na quaresma, ele fez uma penitência: “Abri mão da carne vermelha”.

José tem orgulho de ser batizado com o nome do pai de Jesus. Aposentado na lavoura, ele desembolsa R$ 100 pelo aluguel de uma casa com dois quartos.
O banheiro fica na área externa, entre o portão de madeira do lote e a pequena plantação de café de uma vizinha. Da janela do cômodo em que dorme, ele cumprimenta amigos e oferece um dedo de prosa. Se a pessoa tiver tempo para ampliar a conversa, José prepara e serve uma xícara com café. É também da janela do quarto que ele pode ver as crianças indo ou voltando da única escola do lugar, a Guilhermino de Oliveira. A instituição tem uma característica curiosa a quem reside em grandes centros urbanos: as salas reúnem alunos de séries diferentes. Na de Alessandro, o menino que deseja ser padre, há garotos e garotas da sexta e da sétima séries.

Funcionária da prefeitura Cléria Bicalho é a responsável pela varrição das ruas do povoado - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
“Somos 20 adolescentes no total. Gosto muito das aulas de matemática e religião”, conta o jovem, que mora com a avó. Ele chega à escola acompanhado de colegas. Muitos vão para as classes com chinelos de dedo. Durante a caminhada, contam causos e, dependendo do horário, encontram com dona Cléria Dias Bicalho Batista, de 54.

Funcionária da prefeitura desde 2001, ela é a responsável por varrer as ruas do povoado, elevado à categoria de distrito na década de 1990.
Católica, Cléria conta que o lugarejo conta com dois templos evangélicos um presbiteriano e um da Assembleia de Deus). “Os moradores daqui são bem receptivos. Uma das coisas que me encanta em Jerusalém é justamente isso”.

Jovens partem em busca de emprego


O estresse parece não habitar a Jerusalém mineira, mas os moradores têm dificuldade para adquirir alguns produtos e serviços. Jerusalém é carente de agência bancária e dos Correios. Posto de combustível também não existe. Um dos maiores pontos comerciais é tocado por Carlos César Santos, de 47. Ele é dono de uma mercearia e emprega duas pessoas. Nascido e criado no povoado, ele recorda que o asfalto chegou às ruas de Jerusalém há mais ou menos uma década.


“É um lugar gostoso para viver. Não pretendo sair um dia”, diz. Religioso, ele também dispensou o consumo de carne vermelha durante a quaresma. Ao contrário dele, muitos jovens deixaram o distrito em busca de emprego. Dona Cléria, a senhora que faz a limpeza das ruas, tem saudade de abraçar diariamente os três filhos.

“Um mora em Inhapim e os outros em Ipatinga”, conta. Ela varre o espaço em frente a igreja todos os dias úteis. Na maioria das vezes, as portas do templo estão fechadas. Quem sabe, um dia ela fará o mesmo com as portas abertas por Alessandro, o garoto que deseja ser pároco..