Em nome de Deus, de Jesus e de todos os santos. E sob as bênçãos de Alá, Javé e dos orixás, em caminhos guiados pelos espíritos de luz e inspirados nos ensinamentos de Buda. Minas, de maioria católica – 70,4%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, abre espaço sagrado também para as demais religiões e doutrinas, que, em tempos de papa Francisco e crise econômica, sinalizam para o diálogo, pregam a paz universal e buscam formas de atenuar o sofrimento humano. Em muitos municípios a tradição fala mais alto, como ocorre em Camacho, na Região Centro-Oeste, onde quase 100% dos moradores têm o padre como líder espiritual. Em outros, o inverso se manifesta a olhos vistos. É o caso de Sarzedo, na Grande BH, que quase duplicou o número de evangélicos em uma década. O certo mesmo é que, independentemente do templo e do credo, os mineiros mantêm a fé em Deus, com baixo índice de ateísmo, embora superior, na capital, às médias nacional e estadual, todas inferiores a 1%. Não raro, muitos acendem uma vela para o santo de devoção na capela, enquanto recebem passe no centro espírita ou fazem oferendas nos terreiros de candomblé. Neste domingo de Páscoa, o Estado de Minas publica a primeira de duas reportagens sobre a religiosidade dos mineiros, mostrando um painel variado de experiências, práticas e iniciativas de cada religião para ganhar território e ampliar o rebanho. Para o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, o momento pede reflexão. “Nós, católicos, que representamos mais de 70% da população mineira, refletimos sobre o crescimento de outras confissões religiosas. Contudo, o que mais nos preocupa é o crescimento daqueles que não creem. Como Igreja, nos perguntamos: por que tantas pessoas deixaram de crer?”
Herdeiros do padre Alberto
Camacho – As mãos deslizam suavemente sobre a barriga de quase nove meses e depois seguram com delicadeza a imagem de São Sebastião. Ao lado do marido, Ananias, a assistente social Melécia Luíza Vieira Moreira, de 37 anos, conta que até pensou em dar o nome do santo ao menino, mas uma tradição local falou mais alto e o casal decidiu: o menino vai se chamar Lucas Alberto. Para os moradores de Camacho, na Região Centro-Oeste de Minas, a escolha não é surpresa, pois está para nascer quem nunca tenha ouvido falar no padre Alberto Evangelista Marques Guimarães (1901-1979), natural de Morro Vermelho, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que viveu na cidade durante 36 anos, deixando um legado de fé, obras sociais e fortalecimento da espiritualidade. “É uma homenagem ao sacerdote que me batizou. Todo mundo aqui gostava muito dele”, diz Melécia com um sorriso e o prazer estampado no rosto ao acariciar novamente a primeira “casa” do herdeiro.
Logo na entrada da moradia do casal, perto da praça denominada Padre Alberto e da Matriz de Nossa Senhora das Dores, padroeira de Camacho, pode-se ver um altar com mais de 10 imagens. A última do acervo foi a de São Sebastião, conquistada em um sorteio, da paróquia, com mais de 5 mil fiéis. “Nem acreditei quando anunciaram o meu nome no alto-falante”, revela a futura mamãe, ainda exultante. “Vivemos numa cidade de fé, tradição que passa de geração a geração, e tenho certeza que continuará assim”, afirma a assistente social.
Do outro lado da praça, o pároco Gedler Henrique Breves Pereira conta que padre Alberto deixou bases sólidas de catequese, evangelização e trabalho pastoral. “Uma obra na qual moral e ética dialogam com o discurso religioso”, avalia o titular da paróquia e estudante de psicologia. “Padre Alberto nunca tirou a batina. Nem mesmo depois do Concílio Vaticano II”, afirma o sucessor, em uma referência ao encontro de bispos, em Roma, que promoveu a modernização da Igreja Católica, na década de 1960.
Com 3,3 mil habitantes e economia baseada na cultura do café, Camacho tem 97,3% de católicos e foi dos poucos municípios no estado que, entre 2000 e 2010, registraram crescimento do número de pessoas que professam essa fé (0,63%). Outro destaque foi Senador Firmino, na Zona da Mata, com 96,9% de católicos e aumento de 0,66%.
Essas cidades se enquadram perfeitamente em levantamento feito pelo Centro de Processamento de Informação e Pesquisas Pastorais e Religiosas (Cegipar) da PUC Minas, com base nos dados do Censo 2010 do IBGE e sob coordenação da geógrafa Izabella Carvalho. Conforme o trabalho de filiações religiosas, o número de católicos cresce nas áreas rurais de Minas, distantes, portanto, dos centros urbanos e industrializados e do maior fluxo de correntes migratórias e levas de trabalhadores.
DECLÍNIO Na Grande BH, esse retrato fica bem nítido, pois todos os municípios apresentaram perda no número de católicos entre 2000 e 2010. A capital apresentava 87,2% de católicos em 1980 e caiu para 80% (1991) até atingir 59,8% em 2010 – índice inferior ao nacional (64,6%) e ao estadual (70,4%). A porcentagem de evangélicos está na casa dos 25% ou 595 mil pessoas. Alto Caparaó, na Zona Mata, tem, em termos proporcionais segundo o Cegipar, a maior concentração de evangélicos: 55,9% em 2010.
No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, por influência do médium Chico Xavier (1910-2002), nascido em Pedro Leopoldo, na Grande BH e falecido em Uberaba, é bem expressiva a comunidade espírita, que arrebanha 2% de brasileiros, 2,14% de mineiros e 20,24% dos moradores de Pratinha, no Alto Paranaíba, seguido de Campo Florido (17,1%) e Uberaba (15,5%), no Triângulo. BH (4%) reúne o maior percentual da região metropolitana, seguida de Pedro Leopoldo (3,9%) e Lagoa Santa (2,6%).