Para enfeitar a rua em frente a sua casa, Wânia contou o apoio de 25 pessoas da família. Os preparativos começaram em 14 de março, quando todos se reuniram para o aniversário de uma sobrinha dela e dividiram as tarefas. Eles se reencontram por volta das 19h do sábado de aleluia para traçar os desenhos na rua calçada com pedras. A obra de arte ficou pronta às 2h30 de ontem. Adolescentes da família tocaram violão o tempo todo, para animar adultos e crianças.
Depois da missa na Igreja de São Francisco de Assis, fiéis com vestimentas de personagens bíblicos e várias crianças vestidas de anjo seguiram em procissão para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conduzindo o Santíssimo Sacramento.
Wânia conta que os tapetes eram confeccionados pela Fundação Artística de Ouro Preto (Faop), mas, no ano passado, voltou a ser tarefa dos moradores das ruas por onde passa o cortejo religioso, como antigamente. “A tradição sempre foi a família que mora no trajeto fazer o tapete em frente a sua casa, mas o Centro de Ouro Preto ficou muito comercial e as lojas pararam de investir. As poucas famílias que restam assumiram o compromisso”, disse a contadora. A prefeitura continua fornecendo a serragem tingida, mas, este ano, só tinha nas cores natural, verde, azul e palha, segundo ela. “O vermelho e o laranja, nós tingimos. A gente precisava dessas cores até mesmo pelos desenhos do tapete projetado pelo meu cunhado. A criançada da família meteu a mão na massa”, disse a contadora. Nos círculos do tapete, surgiram iniciais de Jesus Cristo e raios coloridos.
Durante toda a madrugada, músicos da cidade circularam tocando violão, clarinete, triângulo e outros instrumentos para alegrar a celebração. “Acaba virando uma festa de confraternização”, disse Wânia, que recebeu parentes de outras cidades para ajudar na confecção dos tapetes e acompanhar a procissão. “A gente não faz isso apenas pela arte, mas pela fé e pela tradição histórica”, comentou a contadora, que há 40 anos deixou a também histórica Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde os tapetes devocionais também são tradição, e foi morar em Ouro Preto.
Já a técnica em restauro Márcia Valadares diz que por mais de dois séculos, de 1733 a 1963, os tapetes não foram feitos em Ouro Preto. Hoje, ela incrementa o seu tapete com papel brilhante picado “para simular pedrinhas de brilhante para o Santíssimo passar”, explica, orgulhosa. Os vizinhos dela também usam casca de arroz e raspas de couro.
Ultimamente, símbolos africanos chamados adinkra, usados nos tapetes do século 18, foram reincorporados graças a um estudo feito pelo Movimento Negro da cidade e grupos de hip hop. As mensagens simbolizam ternura, delicadeza, honestidade e fragilidade. Um dos símbolos, chamado de sankofa, diz que nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou para trás. É a sabedoria de aprender com o passado para construir o futuro, como defendem os fiéis na semana santa.
MANTOS Outra tradição no domingo de Páscoa em Ouro Preto é enfeitar janelas dos casarões com mantos coloridos e flores. Além dos tapetes, Márcia Valadares também caprichou nas suas janelas. A aposentada paulista Izilda Araújo, de 61, retornou a Ouro Preto ontem depois de 20 anos para ver os tapetes. “Quando estive na cidade antes, cheguei numa segunda-feira depois da Semana Santa e encontrei apenas uns resquícios dos tapetes. Agora, combinei com um grupo de viagem que faço parte e viemos todos para apreciar essa beleza.