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Estado de Minas

Fiéis encerram celebrações da Semana Santa com procissão do Santíssimo

Ato católico ocorreu sobre tapetes coloridos pelas ruas estreitas de Ouro Preto, uma tradição que vem desde 1733


postado em 06/04/2015 06:00 / atualizado em 06/04/2015 07:45

Igreja de Nossa Senhora do Rosário recebeu os fiéis que saíram em procissão da Igreja de São Francisco de Assis, onde foi celebrada a missa(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Igreja de Nossa Senhora do Rosário recebeu os fiéis que saíram em procissão da Igreja de São Francisco de Assis, onde foi celebrada a missa (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Da janela do casarão do século 19, a contadora Wânia Almeida Costa, de 50 anos, acompanhou, com orgulho, a passagem da procissão da ressurreição pela Rua Getúlio Vargas, onde mora, em Ouro Preto, na Região Central de Minas. As ruas da cidade ganharam vida e cores com os tapetes devocionais, uma mistura de religião, tradição e arte, feitos com serragem colorida, palha de arroz, farinha de trigo, borra de café, cal e outros materiais, tudo para celebrar o domingo de Páscoa. A tradição na cidade vem desde 1733, quando a Igreja do Pilar foi oficializada pelo reino de Portugal e recebeu o Santíssimo, que representa o corpo de Cristo, que saiu em procissão da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. O tapete, na época, foi feito pelos negros, com folhas e flores que exalavam aromas.

Para enfeitar a rua em frente a sua casa, Wânia contou o apoio de 25 pessoas da família. Os preparativos começaram em 14 de março, quando todos se reuniram para o aniversário de uma sobrinha dela e dividiram as tarefas. Eles se reencontram por volta das 19h do sábado de aleluia para traçar os desenhos na rua calçada com pedras. A obra de arte ficou pronta às 2h30 de ontem. Adolescentes da família tocaram violão o tempo todo, para animar adultos e crianças.

Depois da missa na Igreja de São Francisco de Assis, fiéis com vestimentas de personagens bíblicos e várias crianças vestidas de anjo seguiram em procissão para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conduzindo o Santíssimo Sacramento. Os tapetes, que mobilizaram grande parte da população, se desfizeram sob os pés dos peregrinos, mas enchiam os olhos de Wânia de alegria e o coração de satisfação, confidenciou ela. Depois do cortejo de 1,7 quilômetro, as crianças ganharam amêndoas, outro costume.

Wânia conta que os tapetes eram confeccionados pela Fundação Artística de Ouro Preto (Faop), mas, no ano passado, voltou a ser tarefa dos moradores das ruas por onde passa o cortejo religioso, como antigamente. “A tradição sempre foi a família que mora no trajeto fazer o tapete em frente a sua casa, mas o Centro de Ouro Preto ficou muito comercial e as lojas pararam de investir. As poucas famílias que restam assumiram o compromisso”, disse a contadora. A prefeitura continua fornecendo a serragem tingida, mas, este ano, só tinha nas cores natural, verde, azul e palha, segundo ela. “O vermelho e o laranja, nós tingimos. A gente precisava dessas cores até mesmo pelos desenhos do tapete projetado pelo meu cunhado. A criançada da família meteu a mão na massa”, disse a contadora. Nos círculos do tapete, surgiram iniciais de Jesus Cristo e raios coloridos.

Durante toda a madrugada, músicos da cidade circularam tocando violão, clarinete, triângulo e outros instrumentos para alegrar a celebração. “Acaba virando uma festa de confraternização”, disse Wânia, que recebeu parentes de outras cidades para ajudar na confecção dos tapetes e acompanhar a procissão. “A gente não faz isso apenas pela arte, mas pela fé e pela tradição histórica”, comentou a contadora, que há 40 anos deixou a também histórica Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde os tapetes devocionais também são tradição, e foi morar em Ouro Preto.

Já a técnica em restauro Márcia Valadares diz que por mais de dois séculos, de 1733 a 1963, os tapetes não foram feitos em Ouro Preto. Hoje, ela incrementa o seu tapete com papel brilhante picado “para simular pedrinhas de brilhante para o Santíssimo passar”, explica, orgulhosa. Os vizinhos dela também usam casca de arroz e raspas de couro. A população de Ouro Preto e turistas são convocados pela internet a participar da ornamentação das ruas e fachadas. O município distribui formas de madeirite para os desenhos, mas prevalece a criatividade, principalmente das crianças, segundo Márcia. “Vejo isso como uma educação patrimonial para garantir a tradição no futuro”, avalia.

Ultimamente, símbolos africanos chamados adinkra, usados nos tapetes do século 18, foram reincorporados graças a um estudo feito pelo Movimento Negro da cidade e grupos de hip hop. As mensagens simbolizam ternura, delicadeza, honestidade e fragilidade. Um dos símbolos, chamado de sankofa, diz que nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou para trás. É a sabedoria de aprender com o passado para construir o futuro, como defendem os fiéis na semana santa.

MANTOS Outra tradição no domingo de Páscoa em Ouro Preto é enfeitar janelas dos casarões com mantos coloridos e flores. Além dos tapetes, Márcia Valadares também caprichou nas suas janelas. A aposentada paulista Izilda Araújo, de 61, retornou a Ouro Preto ontem depois de 20 anos para ver os tapetes. “Quando estive na cidade antes, cheguei numa segunda-feira depois da Semana Santa e encontrei apenas uns resquícios dos tapetes. Agora, combinei com um grupo de viagem que faço parte e viemos todos para apreciar essa beleza. É maravilhoso. Eu quero morar aqui”, disse a aposentada.


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