Na missão de ensinar, muitos podem ser os percalços até a sala de aula. Quem vê o mestre à frente nem imagina a luta enfrentada por muitos professores para chegar até ali. Transmitir o saber e estimular o aprendizado não esbarram apenas na desvalorização da carreira país afora. Desafios de acesso, de estrutura e até pessoais são superados em nome da educação. Deslocamentos difíceis para lugares distantes, tendo como companheiros rodovias perigosas ou estradas de terra na zona rural, onde mestres se arriscam também pegando até quatro caronas por dia. Acordar ainda de madrugada para encarar longas jornadas que só terminam à noite, em mais de uma escola e turnos diversos. Apenas na rede estadual de ensino, 33.177 servidores, o equivalente a 15,34% do total, têm dois cargos, segundo a Secretaria de Estado de Educação. No interior de Minas ou em Belo Horizonte, a luta se repete. Mas, para quem tem na alma a determinação de ser professor, tantos transtornos são mais uma motivação para fazer da relação de ensino e aprendizagem algo realmente transformador.
A professora Adriana Carla de Barros Costa, de 48 anos, viaja 100 quilômetros por dia para ensinar inglês na Escola Municipal Padre Antônio Gabriel, no distrito de Cláudio Manoel, em Mariana, na Região Central de Minas. Ela mora na sede do município e gasta três horas na estrada diariamente. São cinco aulas por dia na escola. Na quinta-feira, leciona em Santa Rita Durão, outro distrito, a 45 quilômetros. “O deslocamento é cansativo, mas prefiro ensinar para as pessoas simples dos lugarejos. Os alunos são mais calorosos e dedicados ao estudo”, diz. “A maioria dos professores prefere trabalhar em Mariana, mas gosto mesmo é de atuar nos distritos”, afirma.
No ano passado, ela enfrentava estrada de terra para chegar à escola do distrito de Mainart, distante 27 quilômetros. Quando chovia, não podia seguir viagem por causa da lama. Às 10h50, o ônibus deixa Mariana e vai apanhando as professoras pelo caminho. Algumas dão aula em mais de um distrito por dia e correm contra o tempo para não perder o transporte da prefeitura. “A gente pula igual pipoca de um lado para o outro”, brinca uma delas ao embarcar. Como saem muito cedo, deixam para almoçar nas escolas, onde Adriana chega às 12h20 e vai direto para o refeitório, para não perder tempo. Em sala de aula, onde ensina palavras com base na realidade dos alunos, é recebida com festa.
Antes de Cláudio Manoel, o ônibus deixa professoras em outros distritos, como Monsenhor Horta, Paracatu e Águas Claras. Elas contam que a vida na rede estadual é mais sofrida ainda, pois não têm transporte para a zona rural e dependem dos carros da prefeitura ou pegam carona na estrada, “no dedo, mesmo”. As estradas que levam aos distritos são estreitas e sinuosas. Quando chega em casa à noite, o cansaço é inevitável, mas a sensação de dever cumprido é maior e Adriana dorme feliz, pronta para outra jornada no dia seguinte.
TÁXI Mudar a rotina para ter mais qualidade de vida foi a saída da professora Sônia do Carmo Machado Rocha, de 43, e quatro colegas, moradoras de Paulistas, no Vale do Rio Doce. Para chegar à Escola Municipal José Pimenta da Silva, na zona rural Córrego Barro Amarelo, onde leciona em turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, elas bancam um táxi para não depender do trajeto difícil no ônibus escolar. São R$ 750 por mês divididos entre as cinco, já que não há vale-transporte, para compensar uma economia de duas horas diárias.
Até o ano passado, Sônia levava marmita para a escola onde dá aula de história para o ensino médio pela manhã, e lá almoçava. Encarava um transporte que, no geral, segundo as professoras, é muito ruim – um dos veículos tinha buraco no assoalho. Mas existem outras dificuldades. “Tenho de imprimir em casa provas dos alunos, pois a escola não tem máquina de xerox. Não podemos lavar a mão na torneira do banheiro, porque a água é contaminada”, reclama. Mas ela é categórica: ainda trabalha por amor, depois de 22 anos de profissão. “Pensei várias vezes em largar, mas não consegui. Prefiro ficar a deixar a vaga para alguém que não trabalhará como eu. Ainda vale a pena, pelo menos para mim.”