A van que leva estudantes demora quase duas horas para chegar a diversas faculdades da região. O caminho é a tão temida BR-381, a rodovia da morte. Dentro dela, vai também a professora Silvana Soares Silva, de 40, para completar a jornada iniciada às 11h e que só termina 14 horas depois. O primeiro emprego é na assessoria de imprensa de um hospital de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, onde mora. No segundo, a jornalista leciona cinco disciplinas na Unileste, na cidade vizinha de Coronel Fabriciano. Um percurso de 240 quilômetros para ir e voltar, tomado pela tensão da estrada e pelo tempo apertado para cumprir o trajeto.
Se a professora não sair do hospital, no máximo, às 16h45, não consegue atravessar a cidade para pegar a van, que passa às 17h10. Na entrada do Bairro Santa Rita, ela deixa o carro num posto de gasolina para embarcar no veículo. Fica o tempo todo de olho no relógio e no trânsito pesado, que pode comprometer o horário de chegada. Quando entra em Ipatinga, onde descem alguns alunos, já são 18h40. Na melhor das hipóteses, está na porta da Unileste às 19h, mas não são raras as vezes em que há atrasos. Não sobra tempo nem para tomar fôlego antes de começar as atividades nos cursos de jornalismo e de publicidade e propaganda. Na volta, a tensão é a mesma: sai às 22h40, para chegar em casa com os ponteiros marcando 1h.
São três anos e meio nessa labuta. Não bastasse a maratona de segunda a quinta-feira, na sexta, ela encara ainda seis horas de ônibus para chegar a Belo Horizonte, onde faz pós-graduação, sendo obrigada a pegar o trecho mais perigoso da BR-381. A aula vai até as 22h30 e, na volta, enfrenta uma hora no ônibus até chegar ao bairro onde fica hospedada. No sábado, a rotina recomeça cedo, para ir de novo para a sala de aula, ainda como aluna, e só depois retornar a Valadares. Para diminuir o ritmo, ela tenta mestrado na cidade. “Gosto muito da sala de aula e, se pudesse hoje, do ponto de vista financeiro, ficaria só com ela. Quem mora no interior tem que correr muito atrás para conseguir algo”, diz.
Professor de geografia na Escola Estadual João Gonçalves Neto, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, Gladyston Fernando Nunes, de 54, tem no sangue o sentido do magistério. É neto de professora e tem três irmãos na mesma profissão. “Dar aula é um dom. É também gostar, porque o país não valoriza, e necessidade, porque não trabalhamos por hobby”, afirma. Ele sai de casa às 5h55 e volta às 19h para dar conta da dupla jornada no Bairro Santa Martinha. Para cumprir o trajeto de 33 quilômetros, vai de carro e, para aliviar o peso do gasto com gasolina, reveza veículos com uma colega de trabalho. São R$ 30 por dia de combustível, em contraponto aos R$ 30 por mês que recebe de vale-transporte.
No caminho, ele se apega a orações. E quando entra em sala vem a transformação, que supera todas as adversidades e até a falta de materiais básicos. O bom humor marca as atividades. O trabalho tem música, mas só a letra, já que energia elétrica é artigo de luxo. Não se pode nem acender a luz, sob risco de queimar o computador da secretaria. Xerox e impressora nem pensar. O velho mimeógrafo é o instrumento da vez. E haja criatividade para driblar a falta de livros didáticos para todos os alunos.
Trabalho árduo e falta de segurança, compensados pelo respeito dos alunos. “A chegada de um aluno interessado ou de uma mãe para agradecer me revigora, dá uma injeção de ânimo. Há estudantes que querem crescer; alguns estão na faculdade. Mostra que a situação não está totalmente perdida, que estamos conseguindo mudar a vida de alguém.”
BASTIDORES Professora de geografia do ensino médio, Janaína Alves dos Santos Vasconcelos López, de 33, faz o caminho inverso. Ela mora em Santa Luzia, na Grande BH, e se desloca diariamente para a capital. Até o ano passado, dava aula numa escola particular de manhã e numa do estado à tarde. Este ano, mudou a rotina que mantinha havia anos de sair de casa às 5h30 e só voltar 13 horas depois. Optou por lecionar apenas na Estadual Três Poderes, na Pampulha. Sair tão cedo tinha um motivo: 10 minutos mais tarde davam uma diferença de 40 minutos no trânsito caótico de início da manhã nos corredores entre Santa Luzia e BH.
Por isso, o melhor era chegar cedo ao Centro e estacionar com tranquilidade, embora isso lhe custasse uma espera de uma hora e 10 minutos até o início das aulas. Logo depois do almoço, ela rumava para a Pampulha. “A sala de aula é o menos complicado. Estar com os meninos é prazeroso. Planejar aula, corrigir prova, elaborar trabalhos e se deslocar, tudo que está fora e que as pessoas não veem é o difícil. Até chegar na escola, muita coisa já ocorreu.”