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Estado de Minas

Aldeia Maxakali no Vale do Mucuri faz celebração antecipada pelo Dia do Índio

Na festa, marcas de músicas e da cultura branca, apesar dos esforços para preservar costumes


postado em 18/04/2015 06:00 / atualizado em 18/04/2015 10:14

Pedro Ferreira
Enviado especial



(foto: Pedro Ferreira/EM/D.A Press )
(foto: Pedro Ferreira/EM/D.A Press )
Bertópolis – “Uá... uá... uá... uá... ó... ó... ó... ó... tém... tém... trruo... tu... tu... tu... tu...” Os sons entoados pelos índios mais antigos da reserva Maxakali de Pradinho, em Bertópolis, Vale do Mucuri, divisa com a Bahia, revelam um repertório próprio de músicas. Ele tenta reproduzir os sons dos animais, da cachoeira e até o barulho do mato balançando ao vento. Mas, ontem, dia de festa na tribo, o embalo foi outro: Piradinha, de Gabriel Valim. Uma demonstração, na festa antecipada do Dia do Índio, comemorado amanhã, de que muitas tradições só sobrevivem na lembrança dos anciãos.

A etnia Maxakali está dividida em quatro tribos. Além de Pradinho, há Água Boa, já no município de Santa Helena, até onde vai a reserva indígena. Também ficaram raízes em Topázio, distrito de Teófilo Otoni, e em Ladainha, no Vale do Mucuri. Em qualquer lugar, os Maxakali enfrentam o mesmo problema:  alcoolismo. São vistos vagando, esperando a oportunidade de conseguir cachaça. “A visão que o povo de fora tem do índio é que ele bebe demais, que é baderneiro. É um problema do qual o indígena não está livre”, disse a psicóloga da aldeia, Maria Augusta Souza Silva.

Na reserva de Pradinho são 12 aldeias. Para a festa de ontem, a maravilha recebeu visita dos vizinhos e quem mais se divertiu foram as “kakxop”. “Crianças”, traduz o pagé Toninho Maxakali, que é professor de cultura indígena e de música na escola do lugar e autor de livro sobre seu povo. Os homens saíram no meio da festa para o tradicional jogo de futebol no campinho ao lado, enquanto as mulheres preparavam o almoço. No cardápio, xokakar (frango), kohot ou kotyõn (mandioca) e xuinág (arroz). A cozinha, como é costume na tribo, foi improvisada na sombra de uma mangueira.

O dia na aldeia começou mais cedo do que de costume. O agente de saúde indígena Ronildo Maxakali trabalha no posto da Vila Nova e já saiu de lá com o rosto pintado. Ao contrário de muitos índios como ele, usou maquiagem emprestada da técnica de enfermagem Atila Rodrigues, e não tinta extraída do urucum, genipapo e madeira. Nessas ocasiões, funcionárias contratadas pela Funai se pintam e se vestem como as índias. Os vestidos são costurados pelas próprias mulheres da aldeia, cada um mais colorido que o outro.

A enfermeira Karoline Prates conta que os índios da reserva moravam todos na Vila Nova, que em nada se parece com uma aldeia. As casas são nos moldes do homem branco, a maioria com antena parabólica para garantir a televisão funcionando. Hoje, a maioria foi embora. Os que ficaram se dividiram em pequenas aldeias, ao todo 12, e construíram suas casas com barro e sapê.

Na Vila funciona o posto médico e um odontológico, uma escola e a cozinha do projeto de combate à desnutrição infantil, do governo federal. A comida tem supervisão de uma nutricionista e os índios adultos que acompanham as crianças também comem.

Hoje o principal sustento não vem da terra ou da mata: vem do Bolsa-Família. São poucos os que ainda caçam e pescam. Mas há plantações de mandioca e batata, milho, quiabo, maxixe e abóbora. O artesanato também é fonte de renda: eles aprenderam que pulseiras, arcos, flechas, bolsas, brincos e prendedores de cabeça fazem sucesso entre os brancos.

Os integrante da aldeia que trabalham com saúde e educação têm salário, com direito a aposentadoria. “A mata foi embora. Homem branco cortou tudo em volta da gente. Plantam capim para gado. Aqui não tem mais onça, não tem mais arara, papagaio”, lamenta Marilton Maxakali, o fotógrafo da tribo.

Ele conta que sempre foi apaixonado por fotografia. “Ganhei uma máquina do pessoal da UFMG, que me levou para fazer uma oficina em Belo Horizonte. Comecei a fotografar tudo na aldeia, para poder guardar a nossa cultura e mostrar para quem não conhece os Maxakali”, disse. Seu maior orgulho foi ter ganho R$ 25 mil com a premiação de um curta-metragem em Goiás. “Meu filme chama Caçando capivara”, disse. Antigamente, segundo ele, a tribo caçava para garantir a comida das festas. Agora, a carne vem do mercado.

Na escola da aldeia, as paredes são de troncos. Os pequenos são alfabetizados na língua nativa e em português, mas nessa fase poucos se interessam pela fala do homem branco. O espaço acolhe qualquer tipo de reunião na aldeia, como a de ontem. Marilton deixou seu equipamento fotográfico para cuidar da mesa da festa. As músicas que escolhia eram bem conhecidas. “Forró. Eles gostam”, justificou. Embora preze pela tradição, ele se rende ao gosto dos irmãos de tribo. Bem que poderia ser a música que inicia este texto. Mas ela faz parte das coisas do passado, encontradas apenas em um velho livro com escritas indecifráveis para quem não conhece a cultura, mas com tradução para o português.


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