Bananeira na Rua Timbiras é orgulho do Barro Preto e chamou a atenção da estudante Rafaela Teixeira: "É diferente de tudo na cidade e não tem agrotóxico" - Foto: Marcos Vieira/EM/DA PressO pomar urbano resiste bravamente à poluição, ao vandalismo e à falta de chuvas. Em passeios de ruas e avenidas de Belo Horizonte, como se fosse num quintal do interior, pitangas, amoras, mamão e banana dão em penca, numa demonstração do que o solo da cidade é capaz. Até milharal entra nessa história. Tal fertilidade reafirma a vocação do Brasil, que completa hoje 515 anos do descobrimento, para produzir bons frutos e fazer valer a sua “certidão de nascimento” – a carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500). No documento enviado ao rei de Portugal, dom Manuel I, o Venturoso (1469-1521), o escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral (1467-1520) enalteceu o cenário: “Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. As águas já não são como eram, pelo menos na Região Sudeste, mas as frutíferas e grãos mostram que, nas terras de BH, “em se plantando tudo dá”, como diz a tradução popular da frase célebre de Caminha.
Ninguém sabe ao certo como muitas dessas plantas surgiram na paisagem da capital. Para uns, alguém jogou sementes nos canteiros, para outros o mamoeiro brotou no lugar onde estavam sacos de lixo e há quem diga que tudo foi obra dos passarinhos.
O motivo, na verdade, não está à altura do cuidado que moradores e trabalhadores vizinhos devotam às moitas de bananeira, ao milharal quase no ponto de dar espigas ou nas flores de mangueiras que começam a despontar. “Esse mamoeiro aqui não foi plantado, foi nascido”, explica Belmiro Pereira Santos, funcionário de uma residência na Rua Piauí, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul, ao admirar um pé de mamão na esquina com Avenida Getúlio Vargas. “Molho todos os dias”, afirma.
A árvore, carregada de frutos verdes e pequenos, brotou no asfalto, ao lado de um poste e sob o emaranhado de fios. Ao passar, a servidora pública Vânia Freire, acompanhada da filha Sílvia, estudante de engenharia da computação, gostou do que viu. “Perto da minha casa, aqui no bairro, tem muitas mangueiras, mas é a primeira vez que vejo este mamoeiro. Além de humanizar a cidade, vai matar a fome de alguém”, comentou Vânia. A poucos metros, um pé de amora, ainda em crescimento, ganha chamego especial dos motoristas no ponto de táxi.
Vânia Freire e a filha Sílvia pararam para admirar o mamoeiro carregado de frutos na Rua Piauí: "Vai matar a fome de alguém", diz a mãe - Foto: Marcos Vieira/EM/DA PressO inventário de arborização urbana, da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), estima em cerca de 465 mil o número de árvores em passeios. “Desse total, 25% são frutíferas próprias para consumo humano”, diz a gerente de Áreas Verdes e Arborização Urbana da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Joseane Toledo, lembrando que, nessa conta, não entram as existentes nos 74 parques do município nem dos quintais, onde os pomares são mais frequentes. As espécies mais comuns, em ordem de quantidade, são goiabeira, mangueira, limoeiro, pitangueira, romãzeira, amoreira, acerola, ameixeira, abacateiro e coqueiro.
A manutenção de todas as árvores existentes em logradouros públicos da cidade é de responsabilidade da PBH, que não recomenda o plantio de frutíferas nos passeios. O motivo é evitar acidentes, principalmente com crianças que tentam subir nos galhos ou jogam pedras para que os frutos caiam. Já em alguns pontos de táxi, os condutores reclamam de transtornos causados pela queda dos frutos sobre os veículos.
Ao observar uma goiabeira na Rua Mato Grosso, o professor de história Daniel Alecrim faz analogia: "Basta cuidar bem do país que teremos bons frutos em educação, saúde e transporte" - Foto: Marcos Vieira/EM/DA PressCONTRASTES Uma das plantas mais típicas do Brasil é orgulho no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul. Cinco cachos ainda verdes sobressaem na moita de nove bananeiras, de tamanhos variados, na Rua Timbiras, quase esquina com Avenida Amazonas. Logo adiante está um pé de mamão.
A estudante Rafaela Teixeira, de 18 anos, passou e olhou com certo estranhamento: “É muito diferente de tudo na cidade, um contraste grande com o concreto dos prédios. Essas frutas são orgânicas, não têm agrotóxico”.
As bananeiras são bem tratadas pelos funcionários e o dono de uma oficina de amortecedores quase em frente à moita tropical. O proprietário Miguel Augusto de Castro Rodrigues conta que, há três anos, a PBH retirou uma árvore que oferecia riscos aos pedestres e deixou ali um buraco. “Gosto muito da natureza, de plantas, então consegui uma muda de bananeira e plantei. Antes de os cachos ficarem maduros, a gente corta e depois divide as pencas entre nós”, revela Miguel.
Na tarde de sábado, o professor de história Daniel Alecrim não se cansava de observar as bananeiras e o mamoeiro. “O lugar fica limpo, pois as pessoas cuidam”, observou Daniel, natural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha e residente na capital. “Essas plantas são ótimo exemplo para nossos governantes. Basta cuidar bem do país que teremos bons frutos em educação, saúde e transporte”, ressaltou Daniel, que apresentou, na esquina da Rua Mato Grosso com Amazonas, uma goiabeira já frondosa.
Um pé de milho no Bairro Floresta desperta a curiosidade do pequeno Edgard e de seu pai, o dentista Paulo Silva - Foto: Marcos Vieira/EM/DA PressSURPRESAS Basta caminhar por BH e descobrir outras partes do pomar urbano. Há goiabeiras na Cidade Nova, na Região Nordeste; mangueiras no Jaguará, na Pampulha; coqueiros na Serra; e pitangueiras no Belvedere, ambos na Centro-Sul. No canteiro central da Avenida do Contorno, no Bairro Santo Antônio, está uma das surpresas: um pé de cana-de-açúcar viceja na frente de duas mangueiras.
“Estou sempre de olho no canavial. Quando estiver no ponto, vou cortar uma”, brinca Rodrigo dos Santos Leite, garçom de um restaurante.
O inesperado também causa surpresa no Bairro Floresta. Na Contorno com Rua Marechal Deodoro há vários pés de milho que enchem os olhos de quem passa. “Dizem que um homem andou por aqui jogando as sementes em vários cantos. Agora, as plantas viraram o xodó de todo mundo”, conta o dono de um bar. “Tá parecendo que vai dar milho”, comenta Edgard, de 8, com o pai, o dentista Paulo Márcio Carvalho Silva. “Não é de hoje que estamos esperando esse milho”, responde o dentista durante a sua caminhada pelo bairro.
Inventário interrompidoO inventário da arborização urbana começou em outubro de 2011 com a estimativa de que houvesse 300 mil espécies em Belo Horizonte. Até hoje, foram cadastradas 246.529, com base em 50 critérios (patologia, infestação por cupins, risco de quedas etc.) e, ao longo do tempo, o trabalhou mostrou que há em torno de 465 mil árvores. O serviço, já executado nas regionais Leste, Oeste, Noroeste, Centro-Sul e Pampulha, será interrompido, pois terminou o convênio com a instituição responsável, a Universidade Federal de Lavras (Ufla). Para continuar, a parceria terá que ser formalizada novamente..