As fraudes no pagamento do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), conhecido como Seguro Obrigatório, praticadas por uma organização criminosa que agia no Norte de Minas são apenas a “ponta do iceberg” de um grande esquema que se alastra por pelo menos 33 cidades mineiras e por outros estados, com estimativa de já ter causado um rombo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos, informou ontem o Ministério Público. “Quem for a qualquer comarca de Minas Gerais vai encontrar esse esquema, sem dúvida nenhuma”, afirma o promotor Paulo Márcio da Silva, coordenador regional de Defesa do Patrimônio Público em Montes Claros, que há um ano iniciou as investigações sobre a máfia do DPVAT.
A operação “Tempo de despertar”, deflagrada pela Polícia Federal e o Ministério Público estadual em 13 de abril, desmontou um esquema sofisticado de fraudes. Ao todo, 41 pessoas (30 em Minas e o restante no Rio de Janeiro e na Bahia) foram presas, incluindo donos de empresas criadas especialmente para “auxiliar” pessoas no pedido do seguro, policiais militares e civis, advogados, médicos e fisioterapeutas. Treze continuam detidas porque tiveram a prisão temporária convertida em preventiva, por decisão do juiz da comarca de Janaúba.
Ele acrescenta que as investigações chegaram a documentos laudos falsos, depoimentos de supostas vítimas, com interceptação de ligações telefônicas. Além disso, juízes de Montes Claros enviaram informações ao Ministério Público sobre cerca de 10 mil ações relativas a “recursos” do DPVAT na comarca, com suspeita de que 80% têm indícios de fraudes.
O MP investiga ainda o possível envolvimento da Seguradora Líder, que administra os dois consórcios de seguradoras que gerem o Seguro Obrigatório e fazem o pagamento das indenizações às vítimas, nos casos de lesões graves e invalidez. A empresa nega qualquer ligação com o esquema. “A tese que o Ministério Público defende é de que quem banca a fraude é a Líder, porque seria impossível ocorrerem os acordos (fraudulentos) se a empresa não autorizasse”, afirma o promotor Paulo Márcio. Ele cita um exemplo de fraude: “A pessoa fala que se machucou em um acidente de carro (muitas vezes, não aconteceu acidente nenhum) ou cai do cavalo e forja um boletim de ocorrência), como se tivesse sofrido uma lesão num desastre de carro e recebe administrativamente R$ 1 mil, R$ 2 mil ou R$ 3 mil da Líder”.
Na sequência, o promotor diz que a pessoa que se passa por vítima afirma que a indenização foi pequena e, ao lado de um advogado, procura um médico ou fisioterapeuta, que forja um documento apontando uma lesão grave para receber o teto de R$ 13,5 mil (caso de lesão grave, invalidez ou óbito). Neste caso, a “vítima” entra na Justiça. “O juiz manda fazer a perícia, mas, antes, a Líder propõe um acordo com o advogado e diz: ‘homologa que vou pagar’. O juiz homologa sem saber o que está acontecendo”, afirma o promotor.
Paulo Márcio da Silva ressalta ainda que um indício do envolvimento da Líder é que ela recebe 2% de todas as indenizações pagas. E que a seguradora concordou em pagar indenizações nos casos em que juízes apontaram indícios de fraude, ao firmar acordos com advogados das supostas vítimas. O promotor lembra que muitas pessoas que sofreram acidentes tiveram seus nomes incluídos em processos de indenização e só ficaram sabendo depois, quando foram prestar depoimento.
JOELHO Um dos casos investigados em Montes Claros é o de José Marcley José Teixeira Silva. O advogado dele entrou com ação contra a Líder, alegando que, em 19 de abril de 2009, ele sofreu traumatismo no joelho direito em um acidente. Depois de ser submetido a tratamento, ele apresentava “dor e edema crônico nos joelhos, instabilidade articular severa e limitação para flexão das pernas em 100 graus”. Inicialmente, Marcley recebeu R$ 1.687,50 de indenização. Mas o advogado entrou com pedido judicial, alegando que tinha direito a R$ 9.450, porque “a parte autora ficou com perda funcional de um dos membros superiores” – sendo que, a princípio, a alegação foi que ele sofreu traumatismo em uma das pernas (membro inferior).
Num primeiro momento, relata o MP, a Líder contestou a ação, julgada improcedente pelo juiz Danilo Campos, da 5ª Vara Civil de Montes Claros.