Episódios de violência entre autoridades e professores no Brasil, como o que ocorreu esta semana em Curitiba, deixam claro que a valorização dos profissionais da educação nunca saíram das promessas de campanha de governantes. Há mais de três décadas, em maio de 1979, professores primários e secundários mineiros – a maioria mulheres – foram expulsos da Praça da Liberdade e atingidos por jatos d’água, bombas e gás lacrimogêneo durante manifestação por aumento salarial e melhorias nas condições de trabalho nas escolas públicas. A atuação truculenta da polícia contra os professores, no dia 29 de maio, em um dos pontos símbolos do estado de Minas Gerais, gerou grande desgaste político para o então governador de Minas, Francelino Pereira.
“Mais da metade dos professores mineiros eram contratados, num sistema precário. Lutávamos contra isso. O comando de greve tentava fazer a negociação, mas fomos recebidos com água. Estava muito frio, lembro das professoras de capote”, disse, em entrevista ao EM, Luiz Fernando Carceroni, professor e sindicalista que morreu no fim do ano passado. Após vários anos de repressão do regime militar, os trabalhadores voltavam a ser organizar em todo o país para conquistar melhorias. Mas a ditadura ainda demonstrava sua intransigência ao lidar com os manifestantes.
O excesso da força policial ficou claro para o governo de Minas, que tentou se isentar da responsabilidade e afirmou não ter convocado a polícia para a praça. “O fato de hoje representou algo inesperado, não desejado, lamentável”, avaliou o então secretário da Educação, Paulino Cícero. Já o secretário da Administração do Estado, José Machado Sobrinho, afirmou que a situação saiu do controle. “Não é batendo e espancando que se acaba com uma greve. Não partiu do governador essa determinação. A polícia política, que age dentro de uma legislação própria, às vezes comete realmente certos descuidos em sua ação” admitiu, à época, o secretário.
SOLIDARIEDADE O episódio despertou a solidariedade de outros grupos trabalhadores, que se posicionaram contra a ação policial. Professores universitários da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) decretaram greve de três dias em apoio aos colegas da educação fundamental. O movimento da capital mineira chamou a atenção dos grevistas paulistas e recebeu o apoio de outros sindicatos. “A luta de vocês é de todos os trabalhadores brasileiros”, discursou o então líder metalúrgico Luiz Inácio da Silva.
“No período, no final da década de 1970, já havia alguma movimentação de entidades em busca da defesa de direitos. Apesar de ainda enfrentar repressão, a situação ia mudando e as manifestações acontecendo”, lembra Washington Mello, então presidente do Sindicato dos Jornalistas.
Ele conta que a forte presença feminina em movimentos de rua não eram comuns naquela época e que o DOPS ainda funcionava como forma de inibir as manifestações. “O DOPS cumpria ordens para acabar com os movimentos.
Luta já focava em melhoria salarial
Desde o início de maio, os professores mineiros decidiram em assembleia reivindicar aumentos salariais para equiparar os vencimentos com o que era pago em outros estados, reduzir o número de alunos por salas de aulas e o pagamento de multas em caso de demissões sem justa causa. A primeira assembleia ocorreu na sede da União Municipal dos Estudantes Secundários, que funcionava na Rua dos Guajajaras, 890, no Centro da capital. Os professores decidiram montar um plantão para receber e tirar dúvidas sobre direitos dos colegas.
Em 3 de maio, cerca de 50 professores foram até o Palácio da Liberdade entregar um documento com as reivindicações ao governador. Francelino Pereira, no entanto, não estava e os professores foram recebidos pelo secretário adjunto do governo. A posição inicial do governo de Minas era de que em10 dias seria feita uma proposta aos professores, mas, passado o prazo, não houve retorno. No dia 17 teve início a greve na capital mineira, com 85% das escolas paralisadas. Em outras 40 cidades mineiras, como Juiz de Fora, Contagem, Poços de Caldas, Uberlândia e Divinópolis, os professores também se organizaram e cruzaram os braços.
FARPAS POLÍTICAS Enquanto nas escolas o número de profissionais que aderiam à greve aumentava a cada dia, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) as reivindicações geravam duro embate entre os partidos políticos. Parlamentares do MDB e da Arena trocavam acusações no plenário. Em 23 de maio, o então secretário da Fazenda, Márcio Garcia Vilela afirmou que o Estado não teria condições de dar o aumento pedido, ressaltando que as contas dos cofres públicos mineiros estavam “no vermelho”.
No final do mês, o governo apresentou uma proposta de reajuste, mas não deu detalhes de como seria implementado. A proposta irritou os professores, que convocaram para o dia 29, uma manifestação na Praça da Liberdade com objetivo de chamar atenção da sociedade para a dificuldade enfrentada nas salas de aulas. “Por considerar humilhante e desrespeitoso o aumento anunciado ontem pelo governador, vamos nos reunir e cobrar atenção às nossas demandas”, dizia manifesto dos professores. (MF)
Linha do tempo
1979
1º de janeiro
Revogado o Ato Institucional 5, que suspendeu desde 1968 os direitos constitucionais e cassou mandatos políticos
15 de março
General João Baptista Figueiredo assume a Presidência do Brasil
Início de maio
Em assembleia, os professores mineiros reivindicam aumentos salariais e melhores condições de trabalho
3 de maio
Um grupo de 50 professores entrega ao governo de Minas documento com suas demandas
17 de maio
Início da greve geral nas escolas. A cada dia, novas cidades aderem à greve
29 de maio
Insatisfeitos com a proposta do governador Francelino Pereira, os professores fazem protesto na Praça da Liberdade e são duramente reprimidos
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