Jornal Estado de Minas

Arquiteto mineiro cria bicicleta que pedala até na água; veja vídeo

Antenado com problemas de mobilidade urbana, Argus Caruso Saturnino desenvolveu verão anfíbia da bike

Gustavo Werneck
Argus Caruso Saturnino testou a InVenta ontem, na Lagoa dos Ingleses: "O mais importante foi flutuar, agora vou fazer ajustes" - Foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS

Homem das montanhas, sempre de pés firmes sobre a terra, mas que não consegue viver longe da água – pode ser do mar, dos rios ou lagos. Apaixonado pela natureza e preocupado com os problemas urbanos, especialmente a mobilidade, o arquiteto mineiro Argus Caruso Saturnino encontrou uma forma inusitada de viajar, praticar esportes, ajudar a desatar os nós no trânsito e, por que não, se divertir? Depois de três anos debruçado sobre a prancheta e mais quatro meses de execução do projeto, ele criou um meio de transporte inédito no mundo: pedala, no solo, como qualquer bicicleta, mas também pode navegar com vela e flutuadores. Nascido em Belo Horizonte e radicado no Rio de Janeiro há uma década, Argus fez o primeiro teste com a “InVenta” na manhã de ontem, no Iate Clube Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, na Grande BH. “O mais importante foi flutuar, agora vou fazer alguns ajustes”, comentou o arquiteto com satisfação.

Eram 10h30, quando Argus chegou à sede do clube, às margens da rodovia BR-040, e começou a retirar as peças da van recém-adquirida. Antes de tudo, fez questão de explicar: “Há muitos anos não tenho carro. Em qualquer cidade, só me desloco de bicicleta. Só comprei esse aqui para transportar a InVenta, nome que mistura invento e vento. Precisamos chamar a atenção, do jeito que for, para o trânsito pesado nas cidades”.

Em pouco mais de 20 minutos, ele montou a estrutura, composta do quadro de alumínio, flutuadores de compensado naval, resina de epóxi e vela de lona branca, e passou a se ocupar da hélice, localizada perto do pneu traseiro e que gira com a força das pedaladas. Concentrado na tarefa – “é a primeira vez que uso hélice na bike” –, lembrou que não fez um barco que virou bicicleta, nem o contrário. “É um veículo único, híbrido, o qual, futuramente, poderá ser mais leve, de fibra de carbono”.


A ideia de construir o veículo anfíbio, próprio para terra e água, começou em 2010, durante uma viagem pelos litorais norte e nordeste do país. “Fui de Pernambuco ao Amapá pedalando pela areia das praias, num total de 2 mil quilômetros. Nessa época, a bicicleta já estava com a vela e andou muito rápido. O tempo todo do trajeto, ficava pensando: seria ótimo se minha bicicleta flutuasse”, conta Argus, que, antes de fazer o teste na Lagoa dos Ingleses, passou alguns dias na fazenda da família em Cordisburgo, na Região Central, mostrando a novidade aos parentes e cuidando de cada detalhe do veículo totalmente artesanal.

MÃOS À OBRA

Logo depois da viagem ao Norte e Nordeste, Argus deu asas à imaginação e começou a fazer os croquis. “Pesquisei na internet e vi que havia outros conceitos com bicicletas híbridas, a exemplo de barcos movidos a pedaladas. Mas nada semelhante ao meu projeto”, contou ele, a poucos minutos de testar a InVenta na água. Sem vaidade, revelou que não se incomoda se copiarem seu invento. “Se isso ocorrer, é porque deu certo, pois ninguém vai atrás do que dá errado. Para mim é motivo de orgulho, pois só de ser a pioneira valeu a brincadeira”, abriu o sorriso.

O vento soprava gelado, as nuvens estavam carregadas e, muito raramente, os raios de sol davam o ar da graça sobre a Lagoa dos Ingleses. Argus desceu, pedalando, a rampa em direção ao pequeno deque e ganhou as águas. Em nenhum momento o veículo tombou e o arquiteto só não ficou satisfeito com o desempenho da hélice.
Foi obrigado, portanto, a pedalar e remar. Quem estava praticando esporte ficou impressionado com a cena. “Ele conseguiu o mais difícil, que é boiar. Achei muito legal”, comentou o administrador de empresas Daniel Ribeiro, de 25 anos.

Com dois metros de comprimento e pesando 30 quilos, a InVenta vai precisar de muita atenção até ficar 100% do jeito que Argus quer. “O teste foi bom, mas precisa andar mais rápido. Tenho que aprimorar a hélice e os flutuadores, além de aumentar a linha-d’água, que se traduz, grosso modo, pelo espaço entre os flutuadores e a superfície da água”. O arquiteto conta que, antes de usar compensado naval, madeira própria para embarcações, se valeu de chapas de isopor. “A cada vez, a flutuabilidade fica melhor. Acho que cumpri minha missão, pois, é fundamental entrar na água e ter estabilidade”.

AVENTURAS


O nome Argus remete aos argonautas – na mitologia grega, eram tripulantes da nau Argo, que, segundo a lenda, saíram em busca do velocino de ouro –, mas o arquiteto desconversa e diz que seu pai, o engenheiro agrônomo Helvécio Mattana Saturnino, queria apenas um nome diferente. Mas, ao vê-lo pilotando a InVenta, não passa batido o verso do poeta português Fernando Pessoa – “Navegar é preciso”.

Em 2000, durante as comemorações do descobrimento do Brasil, Argus, então com 25 anos, participou da Regata dos 500 anos, viajando como tripulante de um veleiro ao lado de cinco pessoas.
Foram quatro meses e meio no percurso (ida e volta) Venezuela, San Martin, Cabo Verde e Portugal. E de 2001 a 2005, deu a volta ao mundo de bicicleta, passando por 28 países.
Sempre empenhando em palestras sobre meio ambiente e divulgação das ciclovias, Argus tem viajado o Brasil divulgando o uso das bicicletas para melhorar o trânsito nas metrópoles. “Acho que este veículo significa também uma provocação para que as pessoas não se rendem aos automóveis e procurem outras formas de transporte. As cidades estão poluídas demais. Precisamos criar jeitos próprios de nos deslocarmos, usando energia a força do corpo”, afirma cheio de convicção. “A bicicleta, para mim, não é um fetiche, mas algo incorporado ao meu cotidiano. Já faz parte do meu dia a dia”, afirma.

A próxima etapa da InVenta, desta vez maior do que o roteiro de ontem, será a travessia Rio-Niterói, na qual o arquiteto pretende gastar uma hora. “Já estou planejando, acho que vai ser até o fim do ano”, adianta. O certo mesmo é que, quando estiver todo pronto, o novo veículo sobre duas rodas poderá ser usado em cidades onde as pessoas, para ir ao trabalho ou escola, precisam cruzar estradas e atravessar lagos ou lagoas.

 

 

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