Sob pressão da fiscalização nas ruas, o comércio de produtos alimentícios praticado pelos camelôs encontrou nas estações do BRT/Move em Belo Horizonte um terreno fértil. Beneficiados pelo movimento constante de passageiros do sistema, que fez um ano em março, eles vendem balas, chocolates, outras guloseimas, água e até produtos como acessórios para celular, atividade que é proibida pelo regulamento do transporte coletivo e pelo Código de Posturas de BH. Fiscais da prefeitura admitem que, como os terminais são fechados, têm mais dificuldade para atuar, mesmo com a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização informando que as estações são extensões das ruas e como tal devem ser fiscalizadas. Não foi o que constatou a equipe do Estado de Minas, que encontrou ambulantes em todos os tipos de terminais da capital: nos de integração, os maiores do sistema; nas cabines de transferência, ao longo das avenidas Pedro I, Antônio Carlos e Cristiano Machado; assim como nos módulos maiores, nas avenidas Paraná e Santos Dumont.
Depois da grande ação de retirada dos camelôs dos espaços públicos da capital, no início dos anos 2000, a pressão pela volta do comércio clandestino ocorre em diversos setores. No caso do transporte público, o que se percebe é que os ambulantes atuam na brecha deixada pela administração do sistema, que não providenciou estruturas para venda de alimentos aos passageiros. Atualmente, o BRT/Move tem quatro estações de integração: Venda Nova, Vilarinho, Pampulha e São Gabriel. Na Pampulha, ambulantes chegam a montar pequenas bancas, sempre perto de pilastras. Nelas, mantêm o estoque, que normalmente varia entre balas, chicletes, chocolates, chips e outros. Mas também há venda de quinquilharias e outros tipos de guloseimas. Um dos camelôs foi visto próximo às escadas rolantes da estação vendendo carregadores para celular. Outro anunciava picolés nas plataformas das linhas alimentadoras. Bem ao lado, outro vendedor abordou a equipe de reportagem oferecendo doces caseiros. Já no terminal São Gabriel não é necessário passar pelas catracas para chegar aos passageiros. A configuração do terminal permite que se ande pelo lado de fora até as grades, encontrando clientes dispostos a pagar por alimentos.
Já na Estação São Paulo da Avenida Santos Dumont, no Centro, um vendedor aproveita o movimento das 17h para circular sem ser incomodado no terminal. Quando um ônibus chega, ele vai até as portas e aguarda a passagem das pessoas. A alguns quarteirões dali, um colega oferece água gelada em uma caixa de isopor aos usuários da Estação Carijós da Avenida Paraná. Questionada, uma das agentes, que pede anonimato, diz que nada pode fazer. “Normalmente, eles desembarcam dos ônibus. Ficam rodando e param por aqui, pela concentração de pessoas, maior no Centro. Como vamos largar as catracas para falar alguma coisa?”, diz a funcionária da Transfácil, responsável pela bilhetagem.
Uma fiscal integrada da PBH, responsável pelo monitoramento de camelôs, diz que atuar nas estações acaba atrasando o trabalho, já saturado. “Encontramos muitas dificuldades em fiscalizar as ruas da cidade. Para entrar nas estações há toda uma burocracia, é necessário pedir autorização. Somos poucos fiscais para muitas demandas”, afirma ela, que não quis se identificar. Para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar, pelo fato de as estações serem fechadas, o mais certo seria usar vigilância particular. “Primeiro, temos que lembrar que a fiscalização não vai resolver o problema, porque demandaria um fiscal em cada um dos terminais e não há efetivo para isso. Como há empresas que exploram o serviço de ônibus, o mais certo seria ter seguranças nesses lugares”, afirma o presidente do sindicato.
Em nota, a BHTrans afirma que cabe à Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis) o controle do comércio informal nas estações. A empresa diz ainda que funcionários da Smafis estão presentes no Centro de Operações da Prefeitura de BH e têm acesso às imagens das câmeras de segurança dos terminais do Move, podendo direcionar as ações para locais onde ocorrem as infrações. A empresa esclarece também que cabe punição aos consórcios cujos funcionários não impedirem o comércio dentro dos ônibus, apesar de não informar os dados de multas por esse motivo.
O que diz a lei
O Código de Posturas de Belo Horizonte (Lei 8.616/2003) diz que o comércio em espaço público sem licença da prefeitura é proibido. A multa pelo descumprimento pode chegar a R$ 1.612,50, além da apreensão das mercadorias e utensílios usados no comércio. O regulamento do transporte público da capital mineira, que é regido pelo Decreto 13.384/2008, também veta o comércio ambulante ou a mendicância dentro dos ônibus. Nesse caso, as empresas cujos empregados permitirem essas atividades podem ser punidas com advertência e multa de R$ 103,51 a partir da primeira reincidência.