Ouro Preto – O Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale, mantido pela Fundação Vale, que nos últimos seis anos vem reunindo histórias contadas pelos moradores de Ouro Preto e Mariana, cidades coloniais da Região Central de Minas, corre o risco de ficar só na memória. Desde 1º de maio, cartazes afixados no prédio da estação ferroviária de Ouro Preto avisam que os espaços expositivos e culturais permanecerão fechados, devido ao encerramento do programa, que tem como principal objetivo preservar histórias e mostrar que a cultura é um meio de expressão da identidade e da alma de cada região do país, valorizando seus habitantes.
O programa, além de revitalizar o transporte ferroviário de passageiros e prédios de relevância, como ocorreu com a estação ferroviária de Ouro Preto, inaugurada em julho de 1889 pelo imperador Dom Pedro II, promovia várias ações visando ao exercício da cidadania, por meio de elementos da memória cultural. Permitia também laços afetivos de crianças, jovens e adultos com seus bens materiais e imateriais, como informa a própria Fundação Vale, a fim de fazê-los proteger seu próprio legado. Mas, os adultos de Ouro Preto também lamentam o fim das atividades. O motivo da decisão seria a crise financeira no setor da mineração.
Os passeios de trem na Maria Fumaça continuam sendo feitos de quinta a domingo, saindo de Ouro Preto até Mariana, mas quem chega às estações, principalmente os turistas, a encontra fechadas nos outros dias da semana. Professor de artes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Ouro Preto (IFMG-OP), Frederico Lamounier Ferrari começou uma batalha pela permanência do programa. Ele organiza uma manifestação para a próxima semana com alunos da escola técnica e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo ele, o projeto custou R$ 50 milhões, com a compra da Maria Fumaça, que veio da Argentina, a restauração da ferrovia até Mariana (16 quilômetros) e as quatro estações que foram recuperadas, projeto coordenado, segundo ele, pela ex-secretária de Cultura de Minas, Eleonora Santarosa.
O professor conta que no governo Hélio Garcia o estado fez um investimento semelhante, com a compra de outra Maria Fumaça, de número 1404, como ficou conhecida na cidade, e que o projeto foi encerrado e a locomotiva, levada para uma cidade do Sul de Minas.
Na estação ferroviária de Ouro Preto, a escola de circo, criada pela Fundação Vale para crianças carentes, já estava parada havia cinco anos e a tenda vinha funcionando como auditório. “Alegaram que o projeto não tinha cunho social”, reclamou Frederico. “Os jovens da cidade tinham várias oficinas no prédio da estação ferroviária de Ouro Preto, com alunos estagiários da Ufop. Uma das oficinas era com instrumentos musicais usando materiais alternativos, como balão de festa e caixinha de fósforo”, lembra o professor. As aulas eram dadas em um compartimento conhecido como Vagão Sonoro, que está fechado.
Na vizinha Mariana, o professor Frederico denuncia que a biblioteca mantida na estação ferroviária também foi fechada e que todo o acervo será doado para uma cidade do Sul do país. “Em Mariana, também deixou de funcionar um projeto de vídeo que fazia documentários contando a história da cidade”, disse.
Prefeituras se esforçam para manter projeto
O chefe de gabinete da Prefeitura de Ouro Preto, Flaviano Nardy Lana, disse que a administração municipal foi notificada recentemente da decisão da Vale, mas não apóia o fim do programa e vai tentar reverter a situação, propondo uma linha de compensação ambiental à mineradora. “O projeto é educativo para toda a comunidade infantil. Sem dúvidas, ainda há uma vertente turística. Trata-se de uma iniciativa que já se consolidou dentro dos programas da nossa Secretaria Municipal de Educação, e não vamos medir esforços para mantê-la”, disse Flaviano.
O prefeito de Mariana, Celso Cota, informou que o município buscará parceiros para manter o funcionamento do espaço, de maneira a não prejudicar o acesso da comunidade local. “A empresa comunicou a suspensão das atividades de espaços como biblioteca, sala de memória, tenda cultural, praça lúdico-musical, vagão experiência e vagão musical”, informou a assessoria da prefeitura, que diz ter sido comunicada pela Vale de que as viagens do trem turístico para o público às sextas-feiras, sábados, domingos e feriados nacionais continuarão acontecendo normalmente.
“Tivemos uma conversa com a Vale sobre as ações que a empresa vem adotando para reduzir o custeio, entre elas a suspensão temporária das atividades da estação. O que vamos propor são algumas parcerias, com os grupos culturais de Mariana e as secretarias de Educação e Cultura para manter o funcionamento da estação até que a empresa retorne o projeto”, disse o prefeito. Para ele, o momento é de transição, mas é preciso achar um caminho para não perder o que já foi consquistado.
Moradores das cidades também estão indignados com o fim do programa.
SUSPENSÃO Em nota, a empresa informa apenas que “as operações ferroviárias do Trem da Vale, importante ativo turístico da região, continuam normalmente às sextas-feiras, sábados, domingos e feriados”. E acrescenta: “As atividades culturais do Programa Trem da Vale foram suspensas no fim de abril. No momento, estamos em fase de transição do projeto junto ao Ministério da Cultura e, na sequência, estudaremos alternativas com algumas instituições locais que mostraram interesse em assumir a continuidade do projeto”. (Colaborou Gustavo Werneck).