Pitangui – É com muita paciência e todo o cuidado exigidos pelo ofício que Brenda Nobre de Almeida ajuda no restauro da imagem de Nossa Senhora das Dores, esculpida em madeira no século 18. A peça é uma das 45 imagens sacras em reforma para serem entregues à população do município no aniversário de 300 anos da cidade histórica conhecida como a Sétima Vila do Ouro, fundada em 9 de junho de 1715.
“A maioria das peças é da primeira metade do século 18. Muitas têm integração cromática, assentadas com folha de ouro”, conta o restaurador Marcos Antônio de Faria. “O trabalho começou no fim de 2014 e deve ser concluído este mês”, acrescenta Antônio Lemes, secretário municipal de Turismo, Cultura e Patrimônio Histórico de Pitangui.
Boa parte do acervo é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Essa é a primeira vez que as peças passam por uma restauração mais profunda. Na década de 1980, o poder público garantiu apenas a higienização das imagens. De lá para cá, muitas foram danificadas por cupins. Algumas estavam quebradas.
O custo total do serviço é de R$ 250 mil, valor considerado irrisório diante da importância histórica das peças, como a de Nossa Senhora das Dores, que ganha novo visual nas mãos de Brenda. A imagem ficava no interior da antiga matriz, destruída, em 1914, por um incêndio.
Causos contados por aquelas bandas dão conta que um senhor franzino desafiou as labaredas para retirar a santa de madeira do altar. Embora ela pese 60 quilos e tenha quase um metro e meio de altura, a tradição oral sustenta que o homem não fraquejou enquanto caminhava, a passos largos, com a imagem entre os braços.
A peça foi uma das atacadas por cupins e outras pragas. Tanto que o diagnóstico do Grupo Oficina do Restauro, empresa de Belo Horizonte que venceu a licitação para o serviço, constatou que “a base tem perdas no suporte, galerias internas e rachaduras e, no que tange a policromia, descolamentos e sujidade generalizada”.
Outra imagem restaurada foi a de Nossa Senhora da Penha, trazida pelos primeiros brancos que desbravaram o então inóspito sertão do que viria a ser, em 1720, a capitania das Minas Gerais. Pitangui, hoje com cerca de 30 mil habitantes, foi fundada por bandeirantes paulistas que encontraram pepitas de ouro no morro conhecido atualmente como subida do Batatal.
A imagem de Nossa Senhora da Penha, com 80 centímetros de altura e 40cm de largura, estava com a mão direita fixada com material inapropriado. Havia ainda uma camada de repintura. O restaurador Luiz Rosa ajudou a restaurar a santa: “É um trabalho gratificante”.
QUADRO O acervo conta ainda com castiçais, cálices, crucifixos e telas. Uma delas, com 89cm de altura por 112cm de largura, retrata o interior da antiga matriz, Nossa Senhora da Piedade – a atual é a Nossa Senhora do Pilar. A pintura é assinada por Jair Inácio, artista ouro-pretano que fez fama no século passado. “Foi um grande restaurador. Criou técnicas próprias”, elogiou Marcos Faria.
Ele é o responsável pela equipe de seis profissionais e quatro estagiários que trabalham no local. A presença de aprendizes no serviço foi uma das exigências da prefeitura. Da mesma forma, eles devem morar na cidade. É o viés social do projeto.
Foi assim que Brenda, a jovem de 21 anos que ajuda no restauro da Nossa Senhora das Dores, conseguiu a vaga. “O estágio está sendo importante para aprender sobre restauração e, claro, preservar uma parte de nossa história”, disse a jovem.
Reforma do museu em andamento
Depois de restauradas, as peças serão transferidas em definitivo para o Museu de Artes Sacras de Pitangui, também em reforma. As obras, orçadas em mais de R$ 1 milhão, devem ser concluídas até dezembro. O casarão, erguido no fim do século 18 e com 17 cômodos, está fechado à visitação pública há quase duas décadas.
O imóvel, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), tem paredes de pau a pique e piso de madeira.
O forro foi trocado e um dos cômodos ganhou nova pintura, inspirada numa antiga que retrata o início da república. Lá, além de profissionais, também há mãos de estagiários, como as de Silvana Ribeiro: “Está sendo um prazer ajudar a recuperar nossa história.”
O sobrado é rico em história. Foi construído a mando do major Joaquim Inácio, um rico fazendeiro que viveu na região no século 18. Ele desejava que o casarão pudesse ser a residência oficial do presidente da província mineira. Para ele, a Sétima Vila do Ouro poderia ser, algum dia, a capital das Gerais.
As peças sacras ficarão no segundo pavimento do sobrado. Parte do primeiro deve ser ocupado pela Secretaria de Cultura e Turismo ou algum departamento da pasta.