Uma mancha de 28 quilômetros de extensão por sete metros de profundidade no Rio São Francisco, entre Bahia, Alagoas e Sergipe, na qual foi detectada alta densidade de cianobactérias tóxicas, faz disparar o alerta em toda a extensão do Velho Chico, inclusive em Minas Gerais, principalmente próximo a áreas com alto despejo de esgotos. A proliferação, atribuída a manobras de retenção de vazão na usina de Paulo Afonso (BA), foi detectada acima da hidrelétrica de Xingó (AL/SE). A informação foi divulgada ontem, durante a 27ª Plenária do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), em Petrolina (PE), pelo representante do Ibama, Célio Costa Pinto. Em território mineiro, a situação é preocupante abaixo da represa de Três Marias e em relação ao maior afluente da bacia, o Rio das Velhas, que deságua no distrito de Barra de Guacuí, no município de Várzea da Palma, Norte mineiro.
O biólogo Rafael Resck, especialista em recursos hídricos, explica que, mesmo com os tratamentos de esgoto de grandes centros – como em Belo Horizonte, no Ribeirão Arrudas e Córrego do Onça, afluentes do Velhas –, ainda é lançada grande quantidade de água impura na bacia, favorecendo o aparecimento dena estação seca. “Aqui no estado essas algas já estão presentes ao longo do Rio São Francisco, ainda em baixa densidade. Mas, no período de estiagem, aumenta demais essa concentração e surge a mancha verde, que tem várias espécies de organismos, alguns produtores de toxinas”, explicou.
Resck destaca a necessidade de constante monitoramento pelos órgãos ambientais, principalmente em relação ao consumo humano de água. Segundo ele, no Brasil a maneira de eliminar as cianobactérias em rios é pelo aumento da vazão. É o que vem ocorrendo por meio das manobras do reservatório de Três Marias, cuja vazão mais que duplicou no início deste mês. O que preocupa é a pressão para segurar água e evitar o colapso do lago, que esteve perto de secar no início do ano. “A contaminação em grande densidade é grave, pois compromete o abastecimento público de cidades ribeirinhas, contamina o ecossistema e consequentemente toda a cadeia alimentar, do peixe ao homem. A curto prazo, é preciso aumentar a vazão do São Francisco. A longo prazo, precisamos implantar o tratamento de esgoto não só nos grandes centros, mas em cidades menores, eliminando material orgânico e metais pesados. De certa forma, nós, aqui em Minas, temos responsabilidade pela má qualidade da água no Nordeste”, pontuou.
O representante do Ibama na plenária do comitê de bacia, Célio Pinto, diz que a situação é preocupante nos locais onde o nível do rio pode cair muito. Ele alerta também para as manobras de redução de vazão, como tem sido reivindicado pelos operadores de barragens, entre elas Três Marias e Sobradinho, na Bahia. Em relação à mancha tóxica detectada entre Paulo Afonso e Xingó, o secretário do Comitê da Bacia do São Francisco, Maciel Oliveira, destaca que no momento a grande preocupação é com o abastecimento humano. “Alertamos os órgãos de meio ambiente e concessionárias de distribuição de água de Alagoas, Sergipe e Pernambuco para que façam acompanhamento, inclusive da água tratada. Foi encontrada no rio a alga que produz toxinas e provoca problemas de saúde, que podem ser fatais em hospitais, sobretudo para pacientes de hemodiálise”, destacou.
PRESSÃO No caso da mancha detectada nos estados do Nordeste, as suspeitas são de que testes de redução de vazão na represa de Paulo Afonso pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), autorizados pelo Ibama, tenham colaborado significativamente para o problema. Ambientalistas acreditam que a contaminação possa se repetir em outros reservatórios que apresentam níveis baixos e nos quais há demandas para redução de vazão, para que não sequem na estiagem. Com menos água no rio, a poluição se concentra e possibilita a proliferação dos organismos nocivos, que se alimentam de material orgânico, matam peixes e podem intoxicar a população.
O secretário Maciel Oliveira disse que a maior preocupação é que o baixo nível de água e manobras nas represas que têm acúmulos de nutrientes no fundo possam servir de gatilho para florações desse tipo de alga tóxica. “Para que esses organismos se reproduzam, é preciso que encontrem um ambiente favorável. No caso de Xingó, o comitê de bacia local afirmou que manobras feitas pela represa com redução de vazão revolveram o fundo e nutrientes acumulados por 40 anos foram aproveitados pelos micro-organismos para crescer”, disse. “Nossa prioridade, agora, é que os órgãos competentes consigam uma solução emergencial. Queremos também o relatório final do Ibama, que possa nos mostrar o que realmente causou isso, para que não se repita”, afirma.
Devido ao aparecimento das algas, o Instituto de Meio Ambiente de Alagoas multou a Chesf em R$ 650 mil. A Casal, que é a empresa alagoana de fornecimento de água, teve de suspender por diversas vezes o abastecimento da capital e de outras cidades, e agora estuda alternativas de captação. A Chesf informa que ainda não se pode dizer que foi somente a alteração de vazões que causou a mancha de microalgas. A empresa aguarda laudos ambientais e fez levantamento de todos os lançamentos de esgoto em seus reservatórios.
Em Minas, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), há propostas para que a vazão de Três Marias fique em 300 mil litros por segundo – quase quatro vezes acima do volume liberado em abril –, o que projeta o nível útil da represa chegando a 20% até o fim da estiagem.
O representante do Projeto Manuelzão, do Rio das Velhas, Ronald Guerra, afirma que o aparecimento de cianobactérias já foi detectado no afluente do Velho Chico e que, com a crise hídrica, isso pode se agravar.
Cianobactérias
São micro-organismos com estrutura que corresponde à célula de uma bactéria, mas realizam fotossíntese. Algumas espécies são fixadoras de nitrogênio atmosférico e outras, produtoras de hepatoxinas ou neurotoxinas. Uma grande flexibilidade a adaptações bioquímicas, fisiológicas, genéticas e reprodutivas garantiu a esses organismos distribuição em diversos ambientes, tanto terrestres quanto aquáticos (rios, estuários e mares). As espécies que produzem e liberam substâncias tóxicas podem provocar envenenamento de outros animais que dividem o mesmo ambiente, atingindo toda a cadeia alimentar, ou contaminar a água potável, provocando doenças em seres humanos. Muitos dos elementos prejudiciais que produzem não podem ser eliminados pelo processo de fervura da água nem por métodos tradicionais usados em estações de tratamento.