Kurt Cobain ama Olívia Palito, que ama Xerife, também chamado de Lord Voldemort, que ama desesperadamente Olívia e preza, acima de tudo, a sua liberdade. A história inspirada na Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, pode parecer pura fantasia, mas é bem real, tem como palco o Bairro Prado, na Região Oeste de Belo Horizonte, e traz um detalhe sui generis: se passa no reino animal e lembra muito o filme A dama e o vagabundo, lançado nos cinemas há 60 anos.
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Amor de Xerife, vira-lata que ficou conhecido em BH, é tema de livro Procura-se Xerife: vira-latas apaixonado continua desaparecido Vira-lata Xerife morre, mas deixa herdeiros do 'romance' que viveu com Olívia PalitoCão Xerife acha caminho do Cidade Nova ao Prado e reencontra OlíviaCaçada a vira-latas apaixonado evidencia o desafio dos animais de ruaVira-latas apaixonado escapa de táxi-dog a caminho da castraçãoFuturo de cão apaixonado vira assunto entre ativistas e internautasEssa história começa pouco antes do carnaval, quando a funcionária pública Tatiana de Azeredo Coutinho Ferreira acolheu a vira-lata Olívia Palito, hoje amamentando 10 filhotes. “Ela era muito magrinha, daí o nome em homenagem à namorada do marinheiro Popeye”, explica. Logo, logo a cadela recebeu olhares de cobiça de Kurt Cobain, de 11 anos, morador antigo e apelidado em homenagem ao guitarrista (1967-1994) da banda Nirvana. A paixão nunca se consumou, conta Tatiana, pois o dono do pedaço Kurt não tem altura suficiente para cruzar. “Ele tem problemas, é epiléptico, embora muito querido aqui em casa”, afirma.
Um belo dia, quando estava no cio, Olívia Palito fugiu. Não tardou muito para Xerife ou Lord Voldemort aparecer na porta – afinal, é o mais provável paizão da ninhada.
As histórias sempre têm dois lados e, nesse caso específico, é preciso esclarecer: na residência da família apaixonada por bichos, o vira-lata ganhou o nome de Lord Voldemort, o vilão da série Harry Potter; entre os admiradores da rua, no entanto, a exemplo do mestre-de-obras Alaerte Alves Pereira, de 53 anos, a postos numa construção próxima, se tornou Xerife. “Pois ele está sempre de olho, atento aos movimentos”, revela.
Vilão odiado pelos rivais
A fama de vilão faz todo sentido para a família. “Às vezes, minha irmã deixa Lord Voldemort entrar para beber água e comer, já que fica o tempo todo deitado na frente do portão. Acontece que ele e Kurt brigam e quem leva a pior é o nosso cachorro, que sai mordido e machucado. Assim, não podemos adotar Lord Voldemort, pois não teríamos sossego”, conta Tatiana. Para a mãe dela, Cleusa Azeredo Coutinho, tudo não passa de ciúme dos rivais. “Quem dera que os homens fossem parecidos com esse animal tão apaixonado”, filosofa.
Pressentindo o perigo, Kurt Cobain surgiu intempestivamente e começou a latir, correndo de um lado para outro. No mesmo lugar no qual, momento antes, tinha cenas de carinho, agora havia cara feia e dentes arreganhados. A calma voltou a reinar até que surgiu o agente de endemias do Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura de BH, William Gonçalves, com a coleira na mão. Ele informou que o setor recebera denúncia anônima de que o animal poderia atacar as pessoas na rua. “O cão está bem de saúde e psicologicamente.
A posição em que estava, na frente da casa, mostra que é territorialista, por causa da fêmea e dos filhotes.
Um conquistador em fuga
Quando todos imaginavam que o romance chegara ao fim, com a captura, veio a surpresa. Por essas voltas que só o destino dá, Xerife se desvencilhou da corda e conseguiu fugiu, rápido como um raio, sumindo numa rua lateral. “Pode ficar tranquilo que amanhã mesmo ele retorna. É uma paixão sem fim por essa cachorrinha”, previu o confiante Alaerte, que é candidato à adoção de Xerife e pretende levá-lo para sua casa em Ribeirão das Neves, na Grande BH.
“Essa casa está muito movimentada”, brincou Cleusa, ao lado da neta Ana Tereza, de 9. Da ninhada, que será doada, a menina escolheu uma e batizou de Charlotte, em homenagem à novíssima integrante da realeza britânica, filha do Príncipe William e de Kate Middleton. A segunda netinha, Alice, também ganhará outro totó. Na porta, Cleusa mostrou uma parte da rua, cercada para obras, onde Xerife passava suas noites.
Amor eterno é feito para durar, não importa o que aconteça.
A vida imita a arte
A vida imita a arte e a arte imita a vida. Em 22 de junho de 1955, os estúdios Disney lançaram nos cinemas o filme de animação A dama e o vagabundo (Lady and the tramp), que até hoje emociona as gerações. Passados 60 anos, a história de amor entre dois cães é recriada no Bairro Prado, em BH. Na trama original, uma aristocrata ganha do marido a cadelinha Lady, da raça Cavalier King Charles Spaniel, enquanto Vagabundo é um cão de rua, sem raça, embora astucioso. Nem é preciso dizer que os destinos dos dois animais acabam se cruzando. Um dia, Lady foge e se perde na cidade, contando com a ajuda de Vagabundo para voltar para o seu mundo real.