Pernambuco e Bahia – Após quatro dias sem comida, a taxa de glicose no corpo humano despenca. O organismo é obrigado a consumir as próprias reservas. A pressão arterial se altera e os órgãos encolhem, até entrar em colapso, levando à morte. Processo semelhante ocorre em um rio contaminado: se não é alimentado por água de qualidade nas cabeceiras, a poluição e o assoreamento se concentram, bactérias proliferam e consomem o oxigênio dos outros seres vivos, até que o corpo d’água morra. Em 2005, para defender o Rio São Francisco de um projeto de transposição que não previa a recuperação da bacia, o bispo de Barra (BA), frei dom Luiz Cappio, arriscou a própria saúde e fez de seu corpo o drama do Velho Chico, ao encarar 11 dias de greve de fome. A má propaganda, que chamou a atenção até do papa Bento XVI, fez com que o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entrasse em negociações pela revitalização. Passados 10 anos, mais uma vez, a história de frei Luiz se confunde com a do rio: as promessas feitas a ambos não foram cumpridas, o São Francisco definha a uma velocidade que surpreende os mais pessimistas e a transposição, apresentada como panaceia para matar a sede no Nordeste, não apenas avança a passos trôpegos, como zomba de sertanejos, ao lhes negar acesso até à pouca água que tinham antes do início da obra. Foi o que descobriu o Estado de Minas, ao percorrer 3.500 quilômetros de seca, assoreamento, poluição e descaso, entre Minas, Bahia e Pernambuco, para a série de reportagens apresentada a partir de hoje.
Nesta viagem, o agricultor pernambucano Francisco Alves Leite, de 60 anos, surge como uma espécie de retrato das contradições do projeto, iniciado há sete anos, que está pelo menos quatro atrasado.
Diante dessas características, a transposição é considerada pelo franciscano dom Luiz Cappio o maior símbolo das promessas descumpridas ao rio com nome de santo. “Um projeto falido, que nunca se preocupou em trazer água para o povo, apenas para a irrigação do agronegócio e das elites produtoras. Um monumento à corrupção e ao desperdício de dinheiro e água”, dispara. “Demos um grito (em 2005) para acordar o Brasil, diante desse absurdo que vinha ocorrendo com o Rio São Francisco. Depois de negociar com o presidente (Lula), recebi garantias de que a transposição seria paralisada, a revitalização começaria e outras formas de fornecimento de água à população seriam estudadas; mas só a transposição avançou e nada mais foi feito. Fui enganado; me senti traído”, afirma. O desabafo retrata a realidade de um rio de pouca água e muita poluição, sobretudo por esgoto. Sem a recuperação ambiental, cada vez mais o que resta para ser dividido com o Nordeste é a sede.