Casa Nova (BA) - Erguidas no sertão baiano a 100 metros de altura, 30 torres com turbinas de vento para gerar energia elétrica se tornaram grandes guarda-sóis para aplacar o calor de rebanhos de cabras. As estruturas monumentais com hélices metálicas gigantescas são parte do Parque Eólico de Casa Nova, no Norte da Bahia. Deveriam ter começado a gerar eletricidade há dois anos, mas nunca deram sequer um giro completo. Um monumento ao desperdício de dinheiro público, que, quando começou a ser implantado, chegou a ser louvado por ambientalistas e por integrantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Representariam, acreditava-se então, menor dependência do setor elétrico em relação aos reservatórios – já que o modelo atual tem obrigado o Rio da Integração Nacional a conviver com alternâncias de vazões que prejudicam os demais usos, como a irrigação, a piscicultura, o abastecimento humano e de rebanhos.
O investimento até então foi de R$ 240 milhões e o valor do contrato, de R$ 635,4 milhões, mas, devido a uma série de erros, atrasos em cumprimento de licenças e à falência de empresas que deveriam construir a planta para a Companhia de Hidro Eletricidade do São Francisco (Chesf), nenhum funcionário trabalha mais na estrutura. Os equipamentos que seriam usados para implantar as torres, geradores, linhas de alta tensão e estações ficaram abandonados no meio do sertão. Nas caixas de madeira, o pó e a umidade trouxeram ferrugem a equipamentos elétricos. Cabos de aço, vergalhões e bobinas também sofrem com a exposição ao tempo. Tudo espalhado em cinco canteiros de obra abandonados, entre torres de mistura de concreto e moldes vazios. Apenas um segurança solitário vigia o patrimônio esquecido, sendo substituído a cada 12 horas por um companheiro. Mas ambos dizem que não há mais perigo de furto, porque por aquelas estradas hoje só passam bodes, pescadores e colonos.
A grande ironia é que o Parque Eólico de Casa Nova foi instalado próximo ao Lago de Sobradinho. Este, para manter funcionando as turbinas, que têm potência instalada de 1.050 megawatts, chegou a baixar ao nível útil em 17,8% neste ano. Atualmente, opera com média de 22% da capacidade. A seca é tanta que as águas do lago recuaram mais de cinco quilômetros, afastando-se das torres de geração que ficavam praticamente à beira da represa. Do outro lado do espelho d’água, é possível ver outro parque eólico, o de Sobradinho, onde as hélices giram e produzem energia elétrica.
Os parques de Sobradinho e Casa Nova, em conjunto com o de Sento Sé, constituem um dos maiores complexos de geração de energia eólica do Brasil, que deveria contar com 120 torres e gerar até 180 megawatts, o que daria para atender a uma cidade com 600 mil habitantes – maior que Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, que tem 550 mil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
MUDANÇA INDISPENSÁVEL
Na avaliação do coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano – responsável pelo programa de revitalização do Rio das Velhas, localizado em Minas Gerais e um dos principais afluentes do Rio São Francisco – o paque eólico abandonado é mais um caso de boa iniciativa que não tem execução bem feita. “É, literalmente, mais um caso de dinheiro público jogado ao vento. Quantas obras assim, pulverizadas e feitas sem qualquer planejamento sequencial, vemos pelo Rio São Francisco? Uma usina dessas beneficiaria não apenas a Bahia, mas toda a bacia hidrográfica. Seria um alívio para o rio”, lamenta. O lago de Três Marias, na Região Central de Minas, também gera eletricidade, mas sua principal função tem sido manter o fluxo de água para Sobradinho. O reservatório chegou a 2,8% de seu volume útil em outubro do ano passado e neste mês está em 37%.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, afirma que, para que o rio atravesse a seca de 2015 e supere outros desafios, é imprescindível que o setor elétrico passe por “uma mudança de postura”. Para ele, o Velho Chico não tem mais como sustentar a geração de energia e essa atividade, por si só, vem reduzindo a vazão do manancial, o que afeta a própria produção de energia. “A mudança é necessária. E deve ser uma mudança de modelo, seja usando formas alternativas de eletricidade, como a biomassa, os espelhos solares, neste que é um dos países com maior incidência solar do mundo, ou a energia eólica”, disse.