Casa Nova (BA) - A implantação do Parque Eólico de Casa Nova, no Norte da Bahia, às margens do Lago de Sobradinho, registrou irregularidades desde o início. Até mesmo a habilitação da Companhia de Hidro Eletricidade do São Francisco (Chesf) no processo licitatório e leilão do lote de geração de energia eólica foi contestada na Justiça. De acordo com despacho da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, de 2010, a Chesf teve sua homologação garantida, mas em suas considerações o juiz que apreciou o caso foi claro ao afirmar que isso só ocorreu em razão de risco de prejuízos aos cofres públicos, caso houvesse a anulação do processo de concessão.
De acordo com o diretor de Operações da Chesf, Mozart Arnaud, o que ocorreu na implantação do Parque Eólico de Casa Nova não poderia ter sido previsto pela companhia, que está tomando todas as providências para sanar os problemas e iniciar a produção elétrica. “O consórcio que foi formado teve problemas financeiros e faliu. A Chesf está tomando as providências para recuperar o capital investido, vai refazer os contratos e dentro em breve devemos retomar as obras, para que o parque inicie sua operação”, disse, sem projeção de data para a reinício da construção.
FÔLEGO Segundo o gerente do núcleo Norte-Nordeste do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável por sistematizar a distribuição energética no país, a meta é atingir 22% de geração de energia eólica em todo o Nordeste do Brasil, saltando de pouco menos de 5 mil megawatts/hora no ano passado para 6 mil neste ano e 8,5 mil no ano que vem. Isso daria um respiro aos rios que precisam regular barragens hidrelétricas, como o São Francisco.
O gerente reconheceu que a situação mais grave dos últimos anos ocorreu em Três Marias. “A seca nos levou a fazer muitas manobras de preservação dos reservatórios. Basta ver que Três Marias chegou a um nível crítico, de 2,6%. Sobradinho tenderá a manter a vazão de 1.000 metros cúbicos por segundo, senão, tende a secar. Tivemos três anos, 2013 a 2015, que superaram o pior período registrado pelo setor elétrico, de 1953 a 1955”, disse.
O próprio presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, reconhece que não há mais como reger a operação de reservatórios simplesmente pela ótica da necessidade de geração de energia. “Há uma regra, uma lei não escrita em lugar nenhum, que faz com que a lógica de operação dos reservatórios seja a da geração de energia elétrica. Isso precisa mudar”, afirma.
Contudo, esse não é um processo fácil, na opinião de Andreu. “Para mudar, é preciso haver regras. Não se pode simplesmente exigir que aumente a vazão, sem qualquer embasamento”, alerta. O presidente da agência lembra de um caso que quase culminou com um sério risco de apagão no país, por falta de normas. “Um produtor de peixes no lago da Ilha Solteira (hidrelétrica do Rio Paraná, em São Paulo) entrou na Justiça contra a liberação de vazão da represa, porque isso mataria os peixes que ele pôs de forma errada e em lugar inadequado. E ele conseguiu uma liminar. Veja bem o risco que se correu por não haver regras”, exemplificou.
ALERTA Para o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR) do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ricardo Motta Pinto Coelho, os reservatórios das hidrelétricas do Rio São Francisco se tornaram inviáveis, o que torna indispensáveis outros investimentos. “Três Marias, por exemplo, já é muito mais importante para abastecimento e irrigação do que para a produção de energia, que é muito baixa. Os reservatórios não deveriam estar sob jurisdição do ONS, que resolve tudo por planilhas e metas de produção elétrica”, critica. No caso da hidrelétrica mineira, o especialista em recursos hídricos diz ter ficado perplexo ao se reunir com autoridades do setor e descobrir como são tomadas as decisões. “As companhias elétricas nem sequer sabem qual a projeção de produção de um mês para o outro, pois tudo fica em um computador do ONS, lá no Rio de Janeiro. É essa máquina que decide, sem se importar com a seca para os outros usos, como irrigação e abastecimento”, disse.
"Três Marias já é muito mais importante para abastecimento e irrigação do que para a produção de energia, que é muito baixa. Os reservatórios não deveriam estar sob jurisdição do Operador Nacional do Sistema Elétrico, que resolve tudo por planilhas e metas de produção elétrica". Ricardo Motta Pinto Coelho,coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios do ICB/UFMG
"Há uma regra, uma lei não escrita em lugar nenhum, que faz com que a lógica de operação dos reservatórios seja a da geração de energia elétrica. Isso precisa mudar", afirma. Vicente Andreu, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA)