Jornal Estado de Minas

Anjo da guarda que salvou motorista em acidente com fogo reencontra seu protegido

Sandra Kiefer


Não é todos os dias que se pode presenciar uma cena de choro em um abraço trocado entre dois caminhoneiros

Um deles, Pedro Henrique da Silva Duarte, de 32 anos, faz um estilo rapper e é pai de um menino de 2 anosO outro, mais fortão, denominado Marco Túlio Vieira de Resende, de 53, tem 35 anos de profissão e é conhecido desde a infância pelo apelido de BolinhaOs dois têm mais em comum que a dura rotina de cortar estradas, enfrentando perigos ao volante dos “brutos”, como são também conhecidos os veículos de transporte de cargaDepois de se encontrarem em um dos mais graves acidentes registrados neste ano em estradas mineiras, o reencontro entre o jovem cabeludo e o experiente motorista ocorreu diante de um dos leitos do Hospital da Previdência do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), na região hospitalar de Belo Horizonte.

Da primeira vez em que se viram, no último dia 20, coube a Pedrinho salvar Marco Túlio de ser queimado vivo dentro da c abine do próprio caminhão-tanque, onde havia ficado preso nas ferragensMarco foi surpreendido na contramão, na BR-040, em uma batida na qual cinco pessoas da mesma família morreram carbonizadas“Fiquei tão nervoso que não me lembro de quase nada, mas deste cara de cabelo grande eu não me esqueço, nãoNaquele dia, ele disse pra mim: ‘Não vou deixar você morrer’”, agradeceu Marco Túlio, o Bolinha, chamando o colega de anjo da guardaPedro Henrique, o Pedrinho, fez questão de dizer que não esteve sozinho na missão: “Sem o motorista da caminhonete Frontier preta, que ajudou a puxar o caminhão pelo cabo de aço, não teria conseguidoEle deu meia-volta e foi embora, enquanto meu caminhão ficou agarrado no congestionamento”.

O abraço depois do aperto: Pedro Henrique dividiu o mérito com anônimo que ajudou no resgate. Marco Túlio agradeceu o socorro: 'Não me lembro de quase nada, mas deste cara não esqueço' - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press

A tragédia ocorreu na altura de ItabiritoSegundo relatos de testemunhas, uma família a bordo de uma caminhonete cabine dupla S-10 seguia para um velório em Itaobim, próximo a Montes Claros, na região do Norte de Minas
O grupo havia saído de São Paulo e viajou durante toda a noitePassou pelo Rio de Janeiro e fez uma parada só para almoçar, antes de partir em direção ao Norte mineiro, sem dormirNa altura do km 579 da BR-040, o motorista da caminhonete atravessou a pista na direção opostaOs ocupantes do veículo de trás, lotado de parentes, incluindo crianças, assistiram impotentes às cenas e horror que se seguiram ao choque de frente com o caminhão-tanque, que pegou fogo.

- Foto: Marcos Vieira/EM/D.A PressLigados pela tragédia, os caminhoneiros Marco Túlio e Pedrinho herdaram dos pais a paixão pela estradaAo se reencontrar, passados os cumprimentos emocionados, Marco passou a relatar ao seu salvador os momentos de pânico vividos dentro do caminhão-tanque, já em chamas“Só me lembro de passar o pedágio e ver um vulto enorme na minha frenteMeu caminhão estava carregado com óleo e gasolinaEscutei o som do combustível entornando, mas Deus abençoou que escorreu para o lado contrário ao que eu estavaDepois, ouvi o primeiro estrondo e explosões dos pneusVi o fogo chegando e o calor ficando cada vez mais forte
Eu estava bem nervosoEstiquei um pouco o corpo e vi as cenas de terror na caminhonete”, contou Marco Túlio.

Católico, Bolinha calcula ter permanecido por alguns segundos em estado de torpor, até ter sido “acordado” pela Bíblia e pelo livro Ágape, do padre Marcelo Rossi, que despencaram sobre sua cabeça com o tombamento da cabine“Na hora pensei: É o meu sinalAquilo me acalmou e tive a ideia de começar a jogar as coisas pela janela”, dizFoi quando os outros motoristas retidos no engarrafamento, observando as colunas de fumaça que se formaram no céu, perceberam que havia um sobrevivente no caminhão“Eu tentava sair, mas havia ficado preso pelo impacto”, contaPedrinho explicou que umas cinco pessoas se esforçaram para mover a cabine, que não saía do lugar: “Uma mulher gritava: ‘Sai daí! Vai explodir tudo!’”.

Pedrinho já havia sido motorista de caminhão-tanqueLargou o serviço para acompanhar de perto a infância do filho, Pedro Paulo, hoje com 2 anos, também fascinado por motores de caminhão“No treinamento, a gente é ensinado que tanque cheio não explode fácilCorri até o meu caminhão, para ver se tinha um cabo de açoA firma tinha trocado o meu carro e eu nem sabia se tinha o equipamento”, revelou ele, que correu cerca de dois quilômetro, entre ida e volta, e voltou com o cabo nas mãosNessa momento, surgiu a outra alma boa, anônima, que prendeu o cabo ao reboque da sua caminhonete Frontier, ajudando a arrastar a cabine e a salvar Marco TúlioCom o impacto da batida, Bolinha teve fratura no quadrilHoje deve passar por cirurgia no tornozelo, mas não chegou a se queimar.

“Foi uma história terrível, que acabou bem para meu maridoEle nasceu de novo”, resumiu a professora Aparecida Victoretti, que está ao lado do marido desde o dia da tragédiaA mulher ajuda a receber a romaria de pessoas, amigos e parentes de CarandaíTodos querem se certificar de que ele realmente escapou do acidente com o combustível altamente inflamável, que chegou a destruir outro caminhãoJá Pedrinho aproveitou uma rara brecha na pesada rotina de transportador para conhecer melhor o companheiro – até então anônimo – que ajudou a salvarUm primeiro abraço, que pode transformar o encontro entre anjo da guarda e seu protegido em uma grande amizade.